Em contagem decrescente para o regresso às aulas (e às rotinas), convém rever procedimentos e prioridades. Em educação, a prevenção é a melhor ferramenta de disciplina; e a planificação, a segunda melhor! Se criarmos um plano juntamente com as nossas crianças para o novo ano letivo, isso dar-nos-á a todos uma excelente estrutura: a rotina na família é um requisito e não uma opção!
A ansiedade e a pressão sobre os filhos
Hoje em dia, já não temos que nos preocupar com doenças infantis incuráveis; por isso, o nosso foco agora é o sucesso académico dos nossos filhos. Mas queremo-lo tanto que quase os sufocamos emocionalmente: acreditamos que têm que começar a trabalhar cada vez mais cedo. Para terem as melhores notas e acesso às universidades de excelência que, por sua vez, lhes vão proporcionar os melhores empregos e casamentos! Deixem-me dizer-vos uma coisa: estão completamente errados.
A ansiedade e a neurose parentais estão a atingir proporções assustadoras. O problema é que as crianças estão muito conscientes disso e do facto de não estarem a conseguir alcançar o estatuto de “perfeitas”. Quando pedimos aos nossos filhos: “Façam o vosso melhor!” eles sabem que o que queremos realmente dizer é: “Sejam os melhores!”.
Mas será que existe uma alternativa à competição pura e dura? Sim: as crianças devem ter objetivos para cumprir, mas devem ser incentivadas sobretudo a esforçarem-se, mais do que apenas a atingirem resultados. O processo é mais importante do que o sucesso…
Os efeitos
...até porque a pressão que sentimos para moldarmos crianças e adolescentes superestrelas não está a ajudar os nossos filhos, pois estes sofrem cada vez mais de ansiedade, depressão e outros problemas de saúde.
Ou seja, em vez de estarmos a criar uma geração de elevado potencial, estamos a torná-los ansiosos, infelizes e supersensíveis. E a prejudicar profundamente as nossas relações com estes miúdos que tanto amamos. Parece que estamos a esquecer-nos todos de um dado importante e infalível: é que crianças stressadas simplesmente não aprendem!
Tempo livre para brincar
Como valorizam esta educação competitiva, os pais preocupam-se quando os filhos têm muito tempo livre… como se apenas brincadeira e nada de trabalho os levassem ao fracasso! A maior parte dos momentos dos filhos estão repletos de atividades estonteantes. Por isso, deixo aqui um pedido: não os sujeite a atividades extracurriculares que possam tornar a vida da família ainda mais dura. As crianças terão muitos anos pela frente para se apaixonarem por um desporto.
O valor da brincadeira espontânea tem vindo a desaparecer aos poucos. O que a maior parte dos pais não sabe é que o tempo sossegado sem “fazer nada”, quando a criança é deixada sozinha e em paz, serve para meditar, para resolver os seus próprios problemas, para descobrir as suas próprias soluções, enfim…para crescer!
Estar aborrecido, sonhar acordado e andar nas nuvens – é assim que as crianças aprendem realmente a usar a sua imaginação, a alimentarem a sua criatividade e a procurarem soluções.
Os efeitos que as crianças podem sofrer quando são sujeitas a demasiadas pressões são inúmeros:
Em casa
- expressam sentimentos de impotência, falta de esperança e inutilidade (“Não presto” ou “Sou estúpida”);
- desinteressam-se subitamente de atividades familiares ou outras de que gostam (por exemplo, desportivas);
- adquirem tiques nervosos (enrolar cabelo, roer unhas, arrancar borbulhas) ou manifestam comportamentos obsessivo-compulsivos (lavar as mãos demasiadas vezes, desenvolver rituais repetitivos);
- mudam de um estado de espírito feliz e tranquilo para um mais temperamental (gritar sem motivo) e deprimido (dificuldade em sorrir, olhar triste, autoestima desastrosa);
- ganham uma preocupação crónica, entram em pânico sem razão, possuem menos resistência à frustração do que o normal;
- mudam os hábitos alimentares e perdem o apetite;
- passam a sofrer de insónias (dificuldade em adormecer e em permanecer a dormir durante a noite);
- queixam-se de dores de estômago e cabeça sem causa aparente;
- passam a sofrer de ataques de asma, herpes labial, eczemas, etc.
Na escola
- Ou mostram-se extremamente preocupadas com testes, provas e TPCs ou perdem o interesse na escola e nos trabalhos escolares, têm notas mais fracas
- pedem para ir à casa de banho várias vezes durante as aulas;
- queixam-se de dores frequentes ou outras desculpas para não terem que ir à escola;
- ganham resistência à leitura e à matemática pedem para ir para casa descansar ou brincar.
Fazer contas antes do tempo
Enquanto as crianças ainda frequentam o jardim-de-infância, os pais apressam-se a ensinar à criança a ler e a fazer contas antes do tempo, isto é, antes da idade escolar. Essa manobra narcísica (os pais gostam de exibir filhos “génios”!) não traz qualquer vantagem e carrega, até, um prejuízo: enfraquecerá o seu interesse pela leitura e pela aritmética quando depois entrar na escola. No fundo, conhecer as letras e os números antecipadamente retira-lhe a satisfação da descoberta e de progredir, ao mesmo tempo que os seus coleguinhas. Entretanto, outras competências (mais importantes nestas idades) costumam ser negligenciadas, como por exemplo, ensinarem as crianças a vestirem-se e a lavarem-se sozinhas e a conseguirem ultrapassar algumas dificuldades sem ajuda.
Como evitar “batalhas” matinais
As roupas são um dos temas principais das clássicas batalhas matinais que pais e filhos (sobretudo os mais novos) enfrentam durante todo o ano letivo. Vestir uma criança para a escola requer alguma atenção e muito bom senso. As crianças precisam de roupas e calçado:
- Confortáveis
- Leves
- Fáceis de vestir e despir / calçar
- Respiráveis
- Impermeáveis (calçado)
Os pais, para a sua própria comodidade, precisam que as suas crianças tenham roupas:
- Fáceis de lavar e de secar
- Fáceis de engomar (ou que dispensem o ferro)
Mas as batalhas só acontecem porque os pais já acordam atrasados. Por isso, deve ser criada uma rotina inegociável cujas consequências devem ser discutidas e determinadas antecipadamente (por exemplo, “se não te levantares nos primeiros 15 minutos da primeira chamada, terás que deitar-te 15 minutos mais cedo nessa noite”). Tome agora nota de algumas dicas que podem tornar as suas manhãs mais calmas:
- Acordar meia hora mais cedo!
- Escolher roupa no dia anterior (inclui sapatos e acessórios). Deixe a criança escolher o que vai vestir (quando a criança sente que lhe é dada escolha, reage melhor). Não se preocupe com a “falta de gosto” e resista à pressão social de “ter um menino muito bem vestidinho” (mas sem vontade própria!). A tarefa de escolher roupas será tão mais simples e rápida quanto menos roupa houver no guarda-roupa! Institua que, depois de escolhidas, as roupas não podem ser mudadas na manhã seguinte. A não ser que o clima mude de repente! Por falar nisso, consulte sempre o boletim meteorológico de véspera.
Regresso sem “choques”
O início de um ano escolar pode ser uma boa oportunidade para os pais refletirem sobre tudo isto e para se prepararem para este novo desafio. Até porque, o regresso às aulas nem sempre é fácil...
Depois de três meses num alegre far niente, voltarem à rotina escolar pode ser um “choque” para todos. Muitos começam a lamuriar-se: “Mamã não gosto da escola”. Na realidade, o que eles querem dizer é “Mamã, não quero que as férias acabem, isto estava a ser tão bom!”. Nisso, estamos todos de acordo, certo?
Durante o tempo de aulas, uma família com um ritmo cadenciado de rotinas funciona melhor, vive mais tranquilamente e é mais feliz!
Sugestões simples
Eis então algumas sugestões muito simples mas que podem facilitar o regresso à rotina:
Dê o exemplo: mostre que as férias e o “bem bom” acabaram também para os adultos. Se as crianças virem os seus pais a ajustarem-se ao novo ritmo, acabarão por fazer o mesmo.
Sono: nenhuma criança reagirá bem se, depois de três meses a deitar-se tarde, de um dia para o outro alguém lhe pedir para estar na cama às 20h! Por isso, comece a reajustar a rotina de deitar cerca de duas semanas antes de as aulas começarem. Tente que a criança vá para a cama cerca de 20 minutos mais cedo a cada dois ou três dias.
Regra PSP / Nintendo / Jogos de Computador: permita o vício apenas ao fim-de-semana.
Regra TV: consoante as idades, reduza e limite os minutos defronte da televisão – a melhor altura para fazer zapping infantil será entre o final dos TPCs e o início do jantar. Ver televisão imediatamente antes de dormir excita as crianças e atrasa a descida de temperatura do corpo, essencial para a fase do adormecimento!
Zona de Escola: determine uma zona comum aos irmãos ou individual para que coloquem lá tudo o que esteja relacionado com a escola (desde as batas, bibes e fardas, até às mochilas e guarda-chuvas).
Zona de Estudo: crie uma zona sem distrações para as crianças fazerem os trabalhos de casa (juntas ou separadas, conforme a idade dos irmãos, a tipologia da casa e as rotinas da família)
Secretária “less is more”: num dos fins-de-semana que antecede a entrada na escola, dê uma volta ao quarto dos miúdos – com a ajuda deles!... e torne-o num quarto mais “amigo do estudo”. Ou seja, façam uma limpeza geral à secretária e deixem apenas o material necessário para as tarefas escolares. Ninguém consegue concentrar-se se estiver a olhar para um tampo de mesa cheia de objetos – muito menos uma criança!
Refrescar o cérebro: vá às compras de material escolar com eles – se não achar a tarefa demasiado esgotante – e aproveite para (re)introduzir alguns conceitos esquecidos durante o verão (falar de matemática vendo os preços e a despesa total; ou de língua portuguesa, lendo os rótulos e títulos, etc.)
Combata o consumismo: antes de sair para as compras, passe em revista o material usado e veja se tem artigos novos que tenha comprado no ano anterior. Estas são sugestões simples, mas que podem tornar cada novo ano letivo no melhor de sempre! Vamos a isso?
Fonte:
Revista Pais&filhos, nº 296, setembro 2015