Todos os dias, milhares de crianças e adolescentes ficam sozinhos em casa, seja por algumas horas, seja por largos períodos do dia. Muitos pré-adolescentes e adolescentes vêm da escola e têm de usar a sua chave para entrar numa casa que está vazia. Todas as semanas, milhares de pais tomam a decisão de deixar os filhos sozinhos, seja porque vão trabalhar, seja porque têm compromissos sociais ou outros. Muitas vezes, para além do estudo e dos trabalhos que têm de fazer, as crianças e jovens ainda assumem a responsabilidade de tomar conta de irmãos mais novos ou de avôs idosos. Outras, talvez a maioria, têm como única companhia o silêncio ou o som anónimo, mas reconfortante, da televisão.
E, embora seja raro ficarem sozinhos à noite, não nos iludamos: há períodos do dia em que os riscos, a ansiedade e o medo são idênticos aos que ocorrem a altas horas da noite. Especialmente quando, como acontece agora nos meses de Outono e Inverno, a escuridão chega cedo e, com ela, os fantasmas e as angústias, mas também os perigos reais.
O filme «Sozinho em casa», que fez as delícias de muitos miúdos, pintava um quadro aterrador, mas simultaneamente vencedor. Nem todos, contudo, têm o expediente do herói da fita («sozinho» em casa, mas bem apoiado por uma equipa técnica de primeira linha) e a realidade é, infelizmente, bem menos indulgente do que nesse filme, onde um par de meliantes «passava as passas do Algarve» ao tentar entrar numa casa que pensavam deserta. O humor do filme ia, aliás, a par do seu irrealismo.
Ficar em casa sozinho é, provavelmente, uma necessidade incontornável para muitas crianças e adolescentes. O que podem os pais fazer, já sobrecarregados com tantas e tantas obrigações e constrangimentos?
A diferença entre a teoria e a realidade
Em primeiro lugar, deve ficar bem explícito que, idealmente, nenhuma criança ou adolescente com menos de 12-14 anos deveria ficar sozinho em casa. Não se podendo alterar os horários dos adultos e o tipo de vida que se tem (sob pena de se irem criar graves problemas socioeconómicos, habitacionais, carências de vários tipos, etc., que se iriam repercutir ainda mais intensa e negativamente no bem-estar da criança).
Primeira série de medidas:
- Acertar melhor os horários. Muitas vezes é possível fazê-lo, se se equacionarem os problemas e a vida da casa em conjunto;
- Ver se há atividades e «tempos livres», ATLs ou salas de estudo, em que a criança possa estar acompanhada (embora, por outro lado, estar sempre ausente de casa implique ganhar-se menos gosto por ela, o que também é mau);
- Ver se há alguém que possa acompanhar a criança (familiares, vizinhos, ou alguém a quem se pague);
- Ver se há alguém que possa fazer o caminho da escola para casa com a criança e alguém que possa dar um certo apoio e vigilância no domicílio, mesmo não estando sempre presente.
Angústia e ansiedade
Se, à primeira vista, estar sozinho em casa pode ser considerado como um lampejo de liberdade, causa, por outro lado, angústia e ansiedade, especialmente quando escurece e quando, como é o caso atual, os meios de comunicação e os cidadãos não falam de outra coisa que não sejam os roubos, os assaltos, os crimes hediondos, pintando um quadro terrível e maléfico da natureza humana que, felizmente, não corresponde totalmente à verdade.
Há, no entanto, várias coisas que se podem fazer e que tornam a estadia em casa sozinho mais agradável e mais segura:
- É fundamental considerar a preparação da criança e a sua personalidade, para além da idade. No entanto, muitos pré-adolescentes parecem seguros e resolutos, mas ficam com medo, embora não o confessem, seja por vergonha, seja por receio das consequências;
- É também necessário dialogar com a criança e negociar as regras, quer quanto à utilização da casa e dos bens, quer quanto a regras mínimas referentes a várias coisas;
- Os telefones e contatos dos pais e de pessoas conhecidas devem estar bem evidentes, para que a criança possa utilizá-los, se necessitar;
- Devem ficar bem claras as regras de segurança, designadamente instruções relativas a abrir portas e telefones – é essencial que nunca abram a porta sem terem a certeza absoluta de quem está do outro lado (só com contacto visual e mesmo assim...) e que não deem a entender que estão sozinhos;
- Outro aspeto é recapitular quais os acidentes mais frequentes que podem acontecer – a prevenção é fundamental e o cumprimento de três ou quatro regras de segurança (tipo «cuidados a ter com aquecedores», etc.) é essencial (mesmo correndo o risco de «dar ideias»);
- Ainda na linha dos acidentes, vale a pena recapitular quais as situações potencialmente perigosas que podem ocorrer e o que fazer em emergências (médicas, fogo, álcool, drogas, estranhos...);
- A política de «admissão» de amigos e colegas de escola também tem de ficar muito bem definida desde o princípio. Os pais devem negociar este aspeto, mas impor a sua autoridade e deixar bem claro que a casa também (e sobretudo) é deles;
- Fundamental também é «regulamentar» o uso do telefone (no sentido de evitar abusos e as respetivas contas «caladas», especialmente quando há inúmeros serviços – eróticos ou não – de valor acrescentado e que podem facilmente consumir dezenas de contos);
- É importante rever quais as responsabilidades para com outras pessoas que eventualmente estejam na casa, como idosos, etc. Os adolescentes podem já ser perfeitamente responsáveis para dar lanche ou medicamentos a familiares que, por exemplo, estejam acamados;
- A ajuda nas tarefas de casa é também um dever de quem nela habita. Sem fazer do jovem um escravo da família, é lógico que quem tem mais tempo livre dê um contributo na lide das tarefas comuns. Pôr a mesa, ter já o banho tomado sem deixar a casa de banho num caos e outras coisas semelhantes não é pedir muito... (claro que depende da idade, mas, enfim, o treino e a compreensão dos porquês tem de começar cedo);
- O uso de eletrodomésticos tem de ser criterioso, porque alguns (como a faca elétrica, o micro-ondas, etc.) têm de obedecer a regras específicas de segurança;
- Por fim, há que estabelecer regras quanto ao uso da TV, pelas questões que sabemos e que, por falta de espaço, não tenho hoje ocasião de abordar mais detalhadamente.
O ritmo de vida das pessoas, para além de intenso e fatigante, causa ele mesmo novos problemas, quer aos adultos, quer às crianças e aos adolescentes.
Sem fazer drama e sem tentar apenas o ideal, podem melhorar-se as situações práticas de forma a que os riscos e perigos de estar sozinho em casa sejam minimizados.