Quanto é demais ou quanto é muito pouco? Quando se trata de elogiar, mais do que a quantidade, é a qualidade o que realmente importa na construção da autoestima infantil. Não existe uma fórmula matemática que imponha às mães e aos pais a quantidade certa para a quantidade de elogio com que devem presentear os seus filhos. Importa mais compreender o quando, onde e como realizar o elogio como ferramenta fundamental na formação de crianças confiantes e com uma autoestima saudável.
Elogiar em demasia
Dada a importância que hoje os pais atribuem ao elogio, muitos elogiam os seus filhos em qualquer lugar e em qualquer situação, pelo que estão a ficar verdadeiramente viciados no elogio aos seus filhos. Hoje, estamos no extremo oposto em que nos encontrávamos algumas décadas atrás, quando os pais só muito raramente expressavam sentimentos positivos, pois nessa época os pais entendiam que não deveriam abrandar na rigidez com que tratavam os seus filhos. Agora elogiamos as crianças em demasia. Os pais pensam que assim estão a construir a autoconfiança dos seus filhos, quando na verdade poderão estar precisamente a contribuir no sentido oposto.
Apesar de bem intencionados, os pais acabam por colocar os seus filhos num “pedestal”, ainda numa idade bastante precoce, o que pode realmente prejudicar o seu desenvolvimento. Demasiado elogio acaba por ter o efeito contrário ao incorrer-se num ato repetitivo que acaba por ser percebido pela criança como pouco sincero e não merecido. Ou faz com que a criança tenha medo de tentar coisas novas ou de assumir um risco com o medo de ficar aquém das elevadas expectativas dos seus pais. O elogio constante pode mesmo ser percebido pela criança como depreciativo. Para algumas crianças, fica uma mensagem subtil de que, em qualquer atividade, têm que obter sempre a aprovação ou validação dos seus pais, situação que contribui para limitar a sua capacidade de iniciativa, autonomia e independência.
Apesar de se verificarem alguns exageros, cuidado, ainda assim, não devemos ir longe demais na outra direção. Não elogiar o suficiente pode ser tão ou mais prejudicial. Se a criança não for elogiada, poderá sentir-se inferior aos outros ou poderá pensar que os seus pais não se preocupam suficientemente com ela e, como resultado, a sua autoestima será baixa e não se irá esforçar nas atividades ou tenderá a desistir facilmente.
Então, qual a quantidade certa de elogio? A questão correta não é essa porque o que importa não é a quantidade, mas sim a qualidade do elogio. Se o elogio é sincero, genuíno e incide sobre o esforço e não sobre o resultado em si, os pais poderão elogiar as suas crianças tantas vezes quantas elas forem merecedoras.
ABC de um bom elogio
O seu filho pode não ser um crânio na matemática, ou pode não ser o Ronaldo do bairro, mas se ele se esforça todos os dias e é muito empenhado no que faz, então ele merece o seu elogio. Os pais têm que especialmente reconhecer os esforços das suas crianças independentemente dos resultados alcançados. Elogiar o esforço e não o resultado é a chave para um elogio adequado. Qualquer que seja o cenário, o elogio deve ser dado caso-a-caso e ser proporcional à quantidade de esforço que o seu filho realiza na execução de uma tarefa. Indico-lhe de seguida algumas situações práticas:
O seu filho estuda regularmente todos os dias. Como mãe ou pai reconhece os seus bons hábitos de estudo, mas não faz sentido elogiá-lo todos os dias, pois o estudo já é uma rotina que incorporou no seu dia-a-dia. Deve apenas elogiar o seu filho quando fizer algo fora do comum.
Quando o seu filho pratica durante semanas e finalmente aprende a andar de bicicleta. É uma situação merecedora do seu elogio devido à elevada persistência do seu filho.
O seu filho brinca no parque de diversões e consegue escorregar destemidamente. Ele é corajoso e aventureiro, mas não exagere com o elogio, pois apenas está a divertir-se e não a trabalhar arduamente.
Recompensa monetária é boa ideia?
Quando o seu filho se empenha naquela situação especial que é merecedora do seu elogio, certamente que poderá verbalizá-lo quando pensa que se ajusta melhor. Contudo, cuidado com o elogio comprado com dinheiro. Se disser ao seu filho que se conseguir a classificação de “Muito Bom” a matemática, como recompensa irá comprar-lhe aquela consola de jogos que viu no outro dia na loja, então estará a criar uma situação em que o seu filho está motivado pelo dinheiro, mas não pelo sentimento positivo de alcançar bons resultados escolares.
Embora em geral a ideia de recompensar o seu filho com incentivos monetários não seja recomendada, há situações em que deve celebrar, como por exemplo, quando decide presenteá-lo com uma ida ao cinema ou jantar fora depois de saírem as classificações escolares trimestrais muito meritórias ou em resultado do bom desempenho no espetáculo que treinou durante bastante tempo. É uma forma de celebrar o trabalho árduo e a persistência da criança
Conselhos práticos para elogiar
Elogios e recompensas tanto motivam como desmotivam as crianças, dependendo de como são usados. Por isso, antes de partir em aplausos, é importante que saiba o que fazer e o que deve evitar para o que seu filho valorize as suas palavras de encorajamento.
Seja autêntico. Tem que elogiar de forma genuína. As crianças sabem quando não está a ser sincero. Isso faz com que elas percam a confiança nas suas palavras. Pior ainda, as crianças tornam-se inseguras, porque não acreditam que as suas palavras são positivas e têm dificuldade em diferenciar as situações em que realmente quer elogiar daquelas em que o não quer fazer.
Seja específico. O elogio é mais eficaz quando é específico. Se for mais específico no elogio, ajuda a criança a identificar-se com as suas capacidades especiais. Em vez de dizer “este desenho está muito bonito”, poderá dizer “utilizaste uns tons de cor brilhantes e gostei muito da expressão desta menina”.
Foque-se no esforço. Elogie a criança pelo seu esforço e trabalho árduo, não necessariamente pelos resultados alcançados. Elogiar a criança pelos seus esforços é motivador, pois ensina-lhe o que ela faz bem. Poderá dizer ao seu filho “eu vejo que estás a tentar muito construir essa torre de lego”.
Nem todas as crianças podem ser estudantes brilhantes ou atletas sobredotadas. A criança que demonstre ser capaz de trabalhar árdua e perseverantemente já tem um talento especial, pelo que deve ser elogiada. Aqui, é importante referir que dizer “és um bom menino porque arrumaste todos os teus brinquedos” centra-se no sentido da criança ser boa ou má, isto é, no seu comportamento, em vez do processo da atividade. Tais comentários influenciam negativamente a criança (especialmente a criança mais velha), pelo que devem ser evitados. O menino ou menina pode assumir que é mau ou má, porque não conseguiu resolver um problema ou não foi capaz de completar uma atividade.
O papel dos outros e a automotivação
Elogiar e gratificar as crianças pelas suas realizações tem como objetivo aumentar a sua motivação. Embora os pais desempenhem um papel fundamental e insubstituível na motivação dos seus filhos, há que lembrar a importância das outras pessoas que interagem com a criança. Por exemplo, a criança é motivada quando está a brincar com os seus filhos ou quando recebe um elogio do professor.
No sentido oposto, o relacionamento da criança com os outros é frequentemente motivo de preocupação. Na minha atividade como psicóloga clínica, deparo-me frequentemente no meu consultório com crianças que apresentam dificuldades psicológicas, como por exemplo a depressão infantil, enurese ou dificuldades de aprendizagem, cuja causa principal é a relação da criança com os seus pares.
Um outro aspeto importante a considerar é que geralmente as crianças estão automotivadas e tendem simplesmente a fazer as coisas porque gostam de as fazer. Lembrar que todos nascemos com uma vontade inata de aprender e explorar o ambiente que nos rodeiam. Por isso, os bebés geralmente estão altamente motivados; eles querem responder a todas as coisas novas que os rodeia.
Só que à medida que a criança vai crescendo, vai tendo mais consciência da automotivação como resultado de uma recompensa com que ela se vai obsequiando. Vai sentir prazer e orgulho por uma atividade bem realizada e que faz com que se sinta bem com ela própria. As crianças começam a perceber que as suas ações produzem certos resultados. Motiva-as experimentarem coisas novas, pelo que começam a desenvolver um sentido de controlo e domínio e isto faz com que elas se sintam cada vez mais capazes e aumentam a sua autoconfiança. Deste modo, elas, mais do que motivadas pelas recompensas dos outros, são motivadas pelo puro prazer de ver que o seu comportamento permite alcançar um objetivo.
Contudo, é importante lembrar que as crianças, umas mais do que outras, dependem dos outros para se motivarem. Por isso, isso não significa uma diminuição da importância da relação da criança com os outros, em particular com as figuras que são mais significativas para ela, como sejam os seus pais e amigos. Obter a sua aprovação torna-se mais importante à medida que a criança cresce. Essas figuras significativas podem e devem incentivar e apoiar a curiosidade da criança de modo a aumentar a sua automotivação.
E crianças que estão automotivadas tendem a persistir nas suas atividades por mais tempo. Sentem que possuem controlo sobre o que fazem e gostam de desafios. Quando sentem que podem atingir os seus objetivos, elas sentem-se bem consigo mesmas, o que beneficia a sua saúde mental e bem-estar, sem dependerem de ser constantemente elogiadas pelos outros para se sentirem bem com elas próprias.
Como elogiar
Eis alguns exemplos de elogios pouco eficazes (ou a evitar) e como pode torná-los bastante mais eficientes.
ELOGIO INEFICAZ (OU A EVITAR)
Genérico
- "Este desenho está muito bonito!”
Dá uma recompensa pelo resultado
- “Mereces um chupa-chupa por hoje teres jogado tão bem.”
Compara a criança com outra
- “És tão bom a resolver estes problemas de matemática como era o teu irmão com a tua idade.”
Avalia a criança
- “Sabes ler muito bem esta história, Inês!”
ELOGIO EFICAZ
Específico
- “Utilizaste uns tons de cor brilhantes e gostei muito da expressão desta menina.”
Associa a atividade com os sentimentos da criança
- “Hoje chutaste cinco vezes à baliza; vejo que estás muito contente e divertiste-te muito com isso!”
Compara a criança com o passado e foca-se na evolução
- “Este problema que acabaste de resolver era mais difícil do que o da semana passada…”
Manifesta apreço pela criança
- “Hoje estás muito entusiasmada por conseguires ler esta história, Inês!”
Fonte:
Elisabete Condesso
Pais & Filhos, número 301, fevereiro 2016