Quarenta semanas. Nove meses desde o início da última menstruação. Dez meses lunares. Este é o tempo que se espera que dure a gravidez ou, pelo menos, é o intervalo que os médicos usam para prever a data do parto. No entanto, muitas vezes o bebé nasce antes de atingida esta altura e, de forma crescente, após um processo de indução. Embora não haja números recentes e fiáveis sobre a realidade portuguesa, existem dados mundiais que apontam não só para uma incidência entre 20 e 25 por cento de partos provocados e a tendência é de aumento, sendo que as induções por conveniência acontecem em cerca de cinco por cento dos casos.

Uma breve pesquisa nos fóruns online dedicados aos temas da gravidez é suficiente para perceber que este é um dos temas que mais interesse desperta nas mulheres em final de gestação. “O meu médico diz que se não nascer até às 40 semanas, ele provoca o parto”. “O que é que fazem para fazer nascer o bebé sem ser cesariana?”. “Quero que o parto seja feito pelo obstetra que me está a seguir, por isso está já marcado”. “Disseram-me que o bebé pode ficar ‘velho demais’ e, se isso acontecer, provocam o parto”. Estas são apenas algumas dos inúmeros comentários que, todos, os dias, se multiplicam nestas plataformas.

Nada que surpreenda a enfermeira especialista Ana Sofia Ra­poso, acompanhante de sessões de preparação para o nascimento e a parentalidade. “Nas minhas aulas, logo que entram no terceiro trimestre, um bom número de casais me pergunta o que acho do parto provocado. É claro que não me cabe dar opiniões, e isso por vários motivos: não sou médica, não posso imiscuir-me na avaliação clínica que é realizada pelo profissional que acompanha a gravidez mas, principalmente, porque cada gestação é um processo único, protagonizado por pessoas únicas, com motivações, expectativas e visões únicas. É absolutamente impossível, mesmo que quisesse, fazer afirmações definitivas em relação a este assunto. Opto por esclarecer sobre o que se passa quando um parto é induzido e os desfechos que podem ocorrer. A decisão final é do casal. Ou, pelo menos, deveria ser”. 

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O que é a indução do parto?

“É o uso de medicamentos ou outros métodos, para estimular as contrações uterinas, numa tentativa de obter um nascimento por via vaginal”. A definição do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas é enganadora na sua simplicidade. É que provocar o parto é muito mais do que fazer as contrações começarem.

Antes das 37 semanas, a indução do parto é realizada exclusivamente por razões médicas e as crianças são consideradas prematuras. Depois dessa altura, não só o desenvolvimento do feto garante condições suficientes para provocar o nascimento, como se considera uma gravidez de termo. E é precisamente este o ponto que mais tinta faz correr. Ou que mais posts motiva nos fóruns e nas redes sociais. “É comum alguns obstetras dizerem que, a partir das 37 semanas, o bebé não está a fazer nada dentro da barriga. E então se a mulher passa das 40 semanas, a pressão é enorme: são os amigos, a família, toda a gente a perguntar quando é que nasce, ela própria já pode estar farta da gravidez. Nestas circunstâncias, perante a hipótese de programar o parto, é fácil dizer sim e marcar o dia”, admite Ana Sofia Raposo.

Foi, precisamente, o que aconteceu com o nascimento do Gui­lherme, agora com quatro anos. “Era setembro, um calor horrível, eu com uma barriga enorme, saturada, de pés inchados e com 39 semanas. Quando fui à consulta, a minha médica disse: ‘se quiser, vem ter comigo ao hospital, induzimos e fica despachada. Nem quis ouvir mais nada! O Gui nasceu dois dias depois”, recorda Inês Mon­teiro. “Colocaram-me os comprimidos vaginais às oito da manhã, comecei com contrações perto das 11 e o parto terminou umas 12 horas depois, era quase meia-noite. Foi duro, mas já não aguentava mais estar à espera que algo acontecesse.”

“Numa sociedade obcecada pelo imediatismo e pelo controlo, esperar pelo início espontâneo do trabalho de parto é uma missão difícil para muito boa gente. A começar pela mulher grávida, quem a rodeia e, infelizmente, por alguns profissionais de saúde. Dizem que saber esperar é uma virtude, mas cada vez mais rara”. Para o psicoterapeuta Alexandre Castro Lemos”, pretende-se submeter cada vez os processos naturais à nossa vontade e velocidade e o nascimento enquadra-se perfeitamente nessa estratégia. Junte-se isso a défices de informação sobre o que realmente significa induzir o nascimento e o resultado são os números crescentes das electivas”. O especialista refere-se ao termo usado para as induções marcadas sem razões médicas, também conhecidas por induções por conveniência e a forma como Guilherme nasceu.

“Os estudos científicos randomizados sobre induções eletivas são claros: nunca se deveriam fazer”. A afirmação, contundente, é do obstetra Alcides Pereira. “Este é o processo que tem de ser motivado por razões médicas que são resultado de uma avaliação exaustiva da situação e não porque, por qualquer outra razão que não médica, se quer o bebé cá fora. A gravidez dura há 38, 39, 40 semanas? Se não há outro motivo, esse não dever ser usado como pretexto” adianta.

Milhares de combinações

A este propósito, Alexandre Castro Lemos faz uma ressalva. “Pode não haver uma justificação clínica visível, física, para provocar o parto, mas as questões emocionais não podem ser descartadas. Imagine-se uma mulher que está tão ansiosa com a continuação da sua gravidez que tem crises de choro, insónias ou outros sinais de perturbação. Talvez, neste caso, uma indução por conveniência promova o regresso a um estado emocional mais forte o que, no final de contas, poderá vir a ser positivo para si mesma e para o seu bebé”.

Alcides Pereira não hesita em classificar as emoções como parte da equação. “Certamente que o estado psicológico da grávida é tido em atenção. Quando digo que as eletivas não deveriam realizar-se, refiro-me às que são pura e simplesmente calendarizadas porque sim. Porque dá jeito ao médico, porque dá jeito à mulher, porque o obstetra não trabalha aos fins-de-semana, por ‘n’ razões que nada têm a ver com o princípio essencial de um parto provocado”.

E que princípio é esse? “O parto deve ser induzido quando, depois de uma apreciação de todas as condicionantes, a equipa chega à conclusão de uma de duas coisas, ou de ambas: o bebé está melhor cá fora e a mãe está melhor sem o bebé lá dentro”, afirma o especialista do Hospital Garcia de Orta. Parece simples, mas está longe de o ser. “Entre indicações, contraindicações relativas, ou seja passíveis de avaliação permanente, e contraindicações absolutas, há literalmente milhares de combinações possíveis quando se equaciona partir para uma indução”, garante Alcides Pereira. Para o especialista, “eventualmente, uma das formas de rebater esta ânsia é mostrar que o parto provocado não está isento de riscos, num número signifi­cativo de casos acaba em cesariana porque o processo não evolui e, entretanto, as contrações são bastante mais dolorosas e frequentes do que as de um parto espontâneo. Há também um risco acrescido de falta de oxigenação fetal e de ruturas uterinas”.

Existem várias metodologias para provocar o parto. Uma reside na rutura das membranas uterinas e aplicação de prostaglandina por via oral ou via tópica vaginal. Este medicamento vai motivar as contrações, que podem ser mais curtas ou longas, suaves ou duras, conforme a reação do organismo da mulher.

O segundo método envolve a utilização de ocitocina sintética. A também chamada “hormona do amor” pode ser aplicada em baixas dosagens de forma contínua, em doses pulsares de 40 em 40 minutos e em altas doses continuamente. Neste último caso, “conseguem-se mais partos vaginais, mas o processo é bastante mais duro”, afirma Alcides Pereira. “Se passam 48 horas após a utilização dos medica­mentos e não se dá o nascimento por via vaginal, considera-se que a indução falhou. Mais uma vez, aqui a avaliação das condições é fundamental, principalmente no que diz respeito à aplicação do Índice de Bishop de avaliação fetal e uterina ”. 

Indicações e contraindicações 

A decisão de provocar o parto é fruto de um conjunto de circunstâncias que tornam cada caso único e colocam a res­ponsabilidade final nas mãos da equipa médica. Existem, porém, condições que apontam para a indução e outras que a afastam em absoluto, sendo que, nestes casos, as opções passam por esperar que o parto inicie de forma espontânea – se a situação clínica assim o permitir – ou partir para a realização de uma cesariana. Mas, como que a comprovar que estes casos nunca são lineares, existem ainda contraindicações relativas, cujo peso tem de ser reavaliado em permanência durante o processo.

Indicações

  • Gestação pós-termo (+ de 40 semanas)
  • Rotura de membranas ovulares
  • Síndromas hipertensivas (pré-eclâmpsia)
  • Óbito fetal
  • Condições médicas maternas: diabetes mellitus, doença renal, doença pulmonar crónica, síndrome antifosfolipídico
  • Restrição do crescimento fetal
  • Corioamnionite (inflamação das mem­branas fetais)
  • Malformações fetais incompatíveis com a vida
  • Oligodramnia (diminuição grave do lí­quido amniótico)
  • Doença Hemolítica Perinatal

Contraindicações relativas

  • Frequência cardíaca fetal não-tranqui­lizadora
  • Macrossomia fetal (peso do bebé acima de 4 quilos)
  • Gestação gemelar
  • Apresentação pélvica
  • Doença cardíaca materna 

Contraindicações absolutas

  • Cicatrizes uterinas corporais
  • Rotura uterina prévia
  • Herpes genital ativo
  • Placenta prévia ou vasa prévia
  • Prolapso do cordão umbilical ou apre­sentação funicular persistente
  • Doença oncológica cervical invasiva
Fonte:

Sofia Rodrigues de Carvalho

Revista Pais & filhos

número 290, março 2015

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