A única forma de educar uma criança é respeitar a sua voz interior e ajudá-la a encontrar o caminho para que se torne no adulto que está destinada a ser, defende Shefali Tsabary, psicóloga clínica, terapeuta e conferencista. No livro “Pais Conscientes”, a autora explica como os pais devem evitar moldar os filhos à sua imagem e desejos, porque só assim eles podem crescer realizados e felizes. E, em última instância, mudar o mundo para melhor.

Pais Mais Conscientes

O que é a parentalidade consciente?

Shefali Tsabary (ST): Parentalidade consciente significa compreender de que forma a nossa “bagagem” emocional tem impacto na maneira como educamos os nossos filhos. Quando não estamos conscientes de que as nossas experiências de infância afetam a forma como os educamos acabamos por impor-lhes as nossas crenças e forma de pensar. No fundo, estamos a transferir para eles os sonhos que não realizámos. Em vez de compreendermos quem são, na sua singularidade, estamos a tentar transformá-los em réplicas nossas, empurrando-os a serem aquilo que queríamos ser e não fomos.

Ser um pai consciente significa colocar a criança em primeiro lugar e ser um parceiro na sua jornada de vida, em vez de a encararmos como uma “marioneta”, que manipulamos à nossa vontade. Quando praticamos uma parentalidade consciente, focamo-nos em aumentar o conhecimento de nós próprios, sabendo que é através deste crescimento interior que podemos educar efetivamente os nossos filhos para se tornarem nos adultos que estão destinados a ser.

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Como podemos fazer esta mudança?

ST: Para nos tornarmos pais conscientes temos que conhecer e lidar com as nossas questões emocionais não resolvidas, crenças e intenções. Depois é preciso mergulhar numa reflexão pessoal, pararmos deliberadamente de tentar transformar as nossas crianças naquilo que queremos e, em vez disso, iniciarmos um relacionamento que potencie o ser humano que elas já são. É preciso que tenhamos consciência de que devemos ajudá-las a fazerem a sua própria aprendizagem para que encontrem o seu caminho. O primeiro passo é tomarmos consciência dos nossos pensamentos, sentimentos e expectativas. À medida que escutamos a nossa voz interior, conseguimos começar a separar quem somos de quem os nossos filhos são. Este é um passo vital para deixarmos de lhes impor os nossos desejos e necessidades.

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É essencial que os pais mudem a forma como estão a educar os filhos?

ST: As nossas crianças não estão cá para nos preencherem, para viverem de acordo com as nossas expectativas. Estão cá para se descobrirem e revelarem o seu verdadeiro eu. Este é o único caminho para que possam ser verdadeiramente felizes e a única forma de acabar com a violência na sociedade, o desrespeito para com o ambiente e todos os outros problemas com que nos defrontamos no mundo. A tradicional abordagem da parentalidade (igual para todos) não tem em consideração o facto de que cada criança é única e tem as suas próprias necessidades. É por isso que as crianças se tornam revoltadas e até violentas quando crescem. É isto que está por detrás do sentimento de vazio que muitos adultos sentem e que resulta nas chamadas crises de meia-idade. O objetivo da parentalidade consciente é educar de forma a que as crianças descubram o seu eu interior e o seu próprio caminho e não moldá-las à nossa imagem e desejos. Desta forma, conseguem crescer satisfeitas, realizadas e felizes, e isso tem impacto em tudo à sua volta.

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Nas últimas décadas, têm proliferado inúmeras teorias de parentalidade. Não estarão os pais cada vez mais confusos?

ST: Só é confuso se nos restringirmos à nossa cabeça e não dermos ouvidos ao nosso eu interior. Os argumentos acerca da disciplina só são válidos enquanto isto for uma discussão mental, porque se pararmos para sentir, honestamente, o que o nosso coração nos diz as coisas mudam. Queremos mesmo bater nos nossos filhos? Queremos mesmo castigá-los? Como nos sentiríamos se nos fizessem isso? A verdade é que estas atitudes nunca vêm do coração. Vêm sempre de argumentos que nos impingem ou são resultado de reações emocionais momentâneas, o que é muito diferente daquilo que realmente sentimos e acreditamos. Na realidade, as reações emocionais são quase sempre opostas ao que verdadeiramente sentimos e quando nos acalmamos percebemos isso.

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Mesmo quando se preocupam a ajudar os filhos a descobrir o seu próprio caminho, os pais sentem pressão para os preparar para o mundo. Como é que se conjuga tudo isto?

ST: O que é a escola “certa” para uma determinada criança? Se nos lembrarmos do filme Billy Elliot, por exemplo, percebemos que o que as crianças precisam é de ser verdadeiras com elas próprias. Uma criança pode não precisar de ir para a universidade, mas sim para uma escola de dança, enquanto outra vai sentir-se realizada numa escola de arte e outra ainda num curso de tecnologia informática ou numa escola de aviação. É por isso que temos a obrigação de ouvir os nossos filhos quando partilhamos com elas as possíveis oportunidades e levarmos muito a sério as suas respostas.

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De que necessita uma criança para que seja verdadeira com ela própria?

ST: O que acontece à curiosidade natural com que as crianças iniciam a vida? Nós acabamos com ela! E fazemos isso ao impor as nossas vontades e aquilo que consideramos ser importante para elas, ignorando os seus interesses inatos e curva de aprendizagem natural. Por isso, temos que nos sintonizar com os nossos filhos e deixá-los que revelem quem são. O nosso papel é apoiá-los. É verdade que as crianças vão ter de encontrar o seu lugar no sistema a dada altura, mas não podemos deixar-nos levar pela ideia de que o sistema é o mais importante, porque não é. Educar uma criança para que seja verdadeira com ela própria exige uma sintonia com essa criança, escutando-a além das palavras, ouvindo o seu coração. Exige também uma enorme autoconfrontação para lidarmos com os problemas que ela nos coloca e que nos fazem reagir. Isto é uma tarefa difícil, dolorosa até, mas é a base da parentalidade consciente.

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Estarão os pais preparados para fazer esta mudança?

ST: Acredito que esta é a única forma de educar as crianças. Afinal de contas, olhemos para o mundo à nossa volta e vejamos o que produzimos até aqui. Vivemos num mundo extremamente volátil. O nosso planeta vive situações trágicas, a violência entre nações, etnias, gangs, na nossa rua, em nossas casas é cada vez maior. Como chegámos aqui? Foi com a parentalidade consciente que defendo ou com milhares de anos de imposição de disciplina sobre as pessoas? O estado do mundo é a prova de que a disciplina não funciona, porque não faz nada para alterar a raiz do problema. A parentalidade consciente, por outro lado, produz cidadãos que não precisam de ser controlados, porque cresceram a exercer autocontrolo. São autodisciplinados e a sua vida rege-se pela ordem interior. Quando os pais desaceleram para ouvir os filhos e ligam-se verdadeiramente a eles, as dificuldades de relacionamento desaparecem.

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Como podemos incutir-lhes regras e limites sem destruir a sua voz interior?

ST: Acredito que ameaças, castigos e “timeouts” estão fora de questão. Uma abordagem consciente implica estar atento em cada momento para fortalecer a capacidade de crescimento da criança, sem controlar, sem sobrepor. A disciplina e os castigos são formas preguiçosas de educar. Tal como repetir até à exaustão aquelas frases feitas que os pais dizem: “Já te disse mil vezes para não fazeres isso, porque não me ouves?”. Isto são reações impensadas, pouco autênticas. A reação é uma atitude preguiçosa, o resultado da nossa própria vivência enquanto crianças. Para que consigamos dar respostas criativas em cada situação é preciso que nos esforcemos a sério. Para que as nossas crianças possam tornar-se boas cidadãs é preciso que aprendam determinadas coisas e isso faz-se em família. É a cultura familiar que lhes vai ensinar que é importante lavar os dentes, fazer a cama, arrumar os brinquedos, pendurar a toalha de banho… Quando participam, as crianças sentem que fazem parte do que está a acontecer e não que são obrigadas a fazer determinada coisa porque alguém assim lhes impôs.

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Os pais também podem aprender com os filhos na parentalidade consciente?

ST: A minha filha tem 12 anos e eu aprendo tanto com ela! Não consigo imaginar sequer que a sua forma de estar no mundo, a sua sabedoria e os seus pontos de vista não me desafiem e obriguem a olhar para mim de forma mais profunda e tornar-me mais verdadeira comigo mesma.

Fonte:

Shefali Tsabary, Pais&filhos, nº 295, agosto 2015

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