Mark Harris é enfermeiro desde 1991 e parteiro desde 1994. Assistiu nascimentos em hospitais, em centros de nascimento, em casa, na água e com vários tipos de alívio de dor. Quando descreve o seu currículo, gosta também de salientar os seis filhos, seis netos e oito irmãos. Ao longo de mais de 20 anos de trabalho, percebeu que a grande maioria dos homens se sentem “impotentes, abandonados e emasculados” durante o parto. Para mudar esta situação, lançou o blogue www.birthingawareness.com, escreveu o livro “Men, love & birth” e desenvolveu o workshop “birthing4blokes” (parto para gajos, em tradução livre). Tudo para que os homens se sintam verdadeiramente úteis durante o parto e possam, tal como as mulheres, viver o nascimento de um filho como uma experiência transformadora. O parteiro esteve em Portugal como orador no 1º encontro da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto e conversou com a Pais&filhos sobre o papel dos homens no nascimento e sobre as diferenças na assistência ao parto entre o Reino Unido e Portugal.

“Os homens precisam de apoio no parto”

Todos os pais devem estar presentes no parto?

Mark Harris: Acho que há uma tendência crescente não só no Reino Unido, mas também em Portugal, para os homens estarem presentes quando os filhos nascem. No Reino Unido, quase sentem uma obrigação de estarem no parto. Mas penso que o mais importante é tomarem uma decisão sólida. Porque se um homem decide estar no parto apenas porque a mulher quer, mas ele realmente não quer, ela vai saber e sentir. Por isso, digo sempre aos homens: tomem uma decisão sólida, seja para estarem presentes ou para não estarem. Por isso, acho que o homem deve estar presente se for isso que ele quiser. E deve falar com a mulher sobre o que os dois querem, para que possam chegar a uma decisão juntos.

Que razões podem levar a um homem a não querer estar no parto? Medo?

M. H.: Talvez algumas experiências isolados no passado. Mas todos os homens irão responder com medo quando o parto chegar. Isso faz parte e sermos animais-humanos. O nosso cérebro, a amígdala, responde instintivamente ao perigo. E será assim que o homem irá responder numa situação extrema, como é o parto. O que eu vejo nos nascimento é que os homens se sentem, completamente despidos de poder pelo sistema do hospital, que não são capazes de proteger a mulher da forma que realmente gostariam e isso fá-los querer fugir dali. Por isso, o homem precisa de apoio.

O homem precisa de apoio???

M. H.: [Risos] Eu acho que sim! Não me interpretem mal! A estrela do espetáculo é a mulher! Ela tem todo o poder de fazer nascer um bebé e é uma heroína. Quando eu digo que os homens precisam de apoio quero dizer que eles têm de perceber que a coisa mais importante que podem fazer é estarem em perfeita ligação com ela, para que ela sinta, sem sombra de dúvida que ele está ali só para ela, que ele não vai perder em todas as outras coisas que vão estar a acontecer. E os homens precisam que alguém lhes diga isto ou que os oriente nesta direção porque é muito fácil perderem-se.

“Os homens precisam de apoio no parto”

Porque os homens querem sempre fazer alguma coisa no parto, não é?

M. H.: Sim! Mas isso não é totalmente errado, se for ao serviço de estar com a mulher. Mas se todas as coisas que ele quiser resolver ou fazer estiverem a afastá-lo da mulher, quebra-se esse sentimento de ligação profunda. Quando os homens perceberem isto, tudo o resto funciona. Eu digo-lhes: oiçam a vossa mulher, tentem perceber quais são as ansiedades dela em relação ao parto, procurem informação sobre isso e partilhem como ela o que encontraram para que ela possa tomar decisões. Ouvir será sempre ao serviço da ligação entre eles, não digo para procurarem informação para se tornarem especialistas, mas sim para que se sintam mais próximos.

Ouvir é o primeiro passo. Talvez não só durante a gravidez…

M. H.: Sim! Sempre! As mulheres têm muito mais conexões entre os dois hemisférios cerebrais que os homens. Isto faz com que os homens saltem mais depressa para as conclusões, enquanto as mulheres analisam e refletem mais antes de agir. Assim, quando uma mulher se sente ouvida ela liberta ocitocina e baixa os níveis de stresse. Se os homens entenderem isto e encararem isto como um objetivo, só por terem um objetivo libertam testosterona, o que, por sua vez, ajuda a baixar os seus próprios níveis de stresse. Então os homens sentem-se mais relaxados e as mulheres também. É maravilhoso!

Parece fácil…

M. H.: Sim, e por exemplo, durante o orgasmo, o corpo da mulher enche-se de ocitocina e essa ocitocina relaxa-a, faz com que ela tenha vontade de se conectar, de querer falar. Quando o homem tem um orgasmo, ele liberta ocitocina e estrogénio. Estas duas hormonas inibem a testosterona e ele vai querer dormir. Isto é um fenómeno fisiológico. Se o homem souber isto pode preparar-se para comportar-se de outra forma.

“Os homens precisam de apoio no parto”

É preciso uma preparação específica para eles? As aulas tradicionais de preparação para o parto não são suficientes?

M. H.: No Reino Unido – penso que no resto do mundo será igual – a preparação para o parto é sempre feita por mulheres. Acho que os homens beneficiam em falar com outros homens e trocar experiências. Como homem, eu experiencio o mundo através de uma forma neurofisiológica masculina. Não faço ideia como é o mundo para uma mulher. Só posso tentar aproximar-me desse mundo e para isso tenho de ouvir a minha mulher.

Então ouvir é aqui a palavra-chave. Os homens têm de ouvir outros homens e as suas mulheres.

M. H.: Eu diria que o ouvir é verdadeiramente importante. Além disso, eu costumo também sugerir aos homens que durante a gravidez façam uma massagem à sua mulher duas vezes por semana. Ela até pode não querer, mas ofereçam na mesma. Qualquer tipo de contacto físico eleva os seus níveis de ocitocina. Outro conselho que costumo dar é: se houver um trabalho em casa que precisa ser feito, façam-no sem que seja pedido e sem esperar por elogios. Este tipo de comportamento em casa aumenta também os níveis de ocitocina.

E essa é a verdadeira preparação para o parto…

M. H.: Para ser honesto, é a verdadeira preparação para a vida em conjunto. É do meu melhor interesse que a minha mulher se sinta livre de stresse, que se sinta compreendida. Penso que quanto mais formos proativos em relação a isto, mais amor teremos numa relação.

“Os homens precisam de apoio no parto”

Mas Michel Odent defende que os homens não devem estar no parto.

M. H.: Adoro o Michel Odent. Mas o que eu penso que ele diz, e tenho um vídeo dele que o mostra, é que existe diferença quando os homens deixam de apenas estar presentes no parto para se tornarem participantes. O que ele diz é quando os homens se tornam participantes o parto corre mal. Mas se pensarmos bem, a maior parte das estruturas de parto têm uma grande influência dos homens, têm impressões digitais de testosterona por todo o lado. Eu explico: o parto tem de ser medido, tem de ser despachado o mais depressa possível, temos que resolver tudo. Ou seja, as próprias estruturas do parto são muito masculinas. Se imaginarmos um homem a entrar neste ambiente de parto e a tentar focar-se em estar presente, ele começa a olhar à sua volta e encontra várias coisas que reconhece e que o afastam de apenas estar presente.

O que diz aos pais que acompanha sobre onde se devem posicionar durante o parto? Aconselha-os a não estar de frente? A não ver o bebé sair?

M. H.: Porque isso pode influenciar a vida sexual?

Há quem diga que sim…

M. H.: Bem, o Michel Odent tem relatado na sua experiência que alguns casais dizem que as suas vidas íntimas foram afetadas pelo parto. Eu não conheço nenhum casal que me diga que já não está junto porque o homem assistiu de frente ao parto, mas percebo que possa acontecer.

“Os homens precisam de apoio no parto”

Nos seus workshops fala deste assunto?

M. H.: Nos meus workshops, eu encorajo o homem a estar presente para a mulher e a transmitir um forte sentimento de ligação. Não sugiro nenhuma restrição sobre para onde deve olhar.

Em Portugal, muitos hospitais não permitem aos pais estarem presentes quando o nascimento é por cesariana. O que pensa disto?

M. H.: Eu sei!! É bizarro!! É algo a que não estou habituado. Eu formei-me como enfermeiro em 1991 e desde essa altura, no Reino Unido, os homens podem estar presentes nas cesarianas. Parece-me que é algo que tem de mudar rapidamente. Assistir à chegada do seu bebé é algo que todos os casais deveriam poder viver. Desde que estejam longe do campo esterilizado, onde a incisão é feita, não há qualquer razão, para o pai não estar presente. É como digo, no Reino Unido, é regra há mais de 20 anos.

Muitas vezes justificam a proibição com o aumento do risco de infeção.

M. H.: Isso é ridículo! É como o parto na água. O parto na água no Reino Unido é completamente aceite como não sendo mais perigoso do que outro tipo de parto. A maior parte dos hospitais públicos no Reino Unido têm piscinas de parto. Mas andamos umas quantas milhas e, de repente, o parto na água já não é seguro. É um pouco estranho! Percebo que tenha de existir uma estrutura e especialistas. E isso pode demorar algum tempo. Mas as estatísticas no Reino Unido dizem que o parto na água é seguro. Por isso, as mulheres, aqui em Portugal, devam ter essa opção. Mas, se esperarmos que sejam os líderes a fazer estas mudanças, vamos esperar muito tempo. As mulheres têm de acordar para o seu próprio poder de tomar decisões e assim o sistema terá de mudar.

“Os homens precisam de apoio no parto”

Voltando aos homens, qual o melhor conselho que lhes pode dar para ajudarem a mulher durante o parto?

M. H.: No programa que oriento, temos trabalhos de casa. Como já disse, encorajamos os homens a fazerem massagens às suas mulheres duas vezes por semana durante a gravidez. E essa massagem será usada depois no trabalho de parto. Encorajamos também os homens a fazerem uma playlist com música calma e que dancem com as suas mulheres ao som dela uma ou duas vezes por semana durante a gravidez. Assim, quando o trabalho de parto começar, eles poderão dançar ao som dessa playlist. Recomendamos ainda que os homens aprendam a trabalhar com a máquina de TENS [Estimulação Elétrica Transcutânea dos Nervos].

Cá em Portugal a máquina de TENS não é muito popular. O método de alívio de dor mais utilizado no parto é a epidural.

M. H.: Não têm a TENS… Que pena! É bom porque não é um método invasivo, nem farmacológico. No Reino Unido, apenas 35 por cento das mulheres optam pela epidural.

E as restantes?

M. H.: Usam a água, gás e ar [mistura de oxigénio e óxido nitroso, inalada no início de cada contração através de uma máscara], hipnose, petidina [analgésico aplicado através o soro]…

O que é que as mulheres podem fazer para ajudar os homens a ajudarem-nas durante o parto?

M. H.: Quando um casal convive numa relação durante muito tempo, pode habituar-se a não mostrar apreço um pelo outro. E neste momento crucial, que é a gravidez e o parto, em que a ansiedade vai estar em alta e o homem vai tentar escondê-la com todos os tipos de estratégias e comportamentos, as mulheres devem – sei que isto vai parecer muito piegas – demostrar apreço e agradecer pelos esforços que ele tem feito. É um grande impulso para a sua autoestima e para a sua confiança para o parto. Além disso, é importante falar-lhe das suas ansiedades e das questões que a preocupam. Ele não vai saber a não ser que ela lhe diga… Para dizer a verdade, é raro um homem dizer-me: “Ela não me diz o que vai na sua cabeça”, acontece mais o contrário: “Ela diz-me tudo o que lhe passa pela cabeça” [risos]. Ainda assim, continuar a ser o meu conselho.

“Os homens precisam de apoio no parto”

O livro

De homem para homens. É assim que Mark Harris promete falar de parto neste livro. Sempre a partir do ponto de vista masculino, um guia que ensina os homens a ouvirem as suas mulheres a manterem a calma na sala de parto e a viverem a experiência de se tornarem pais de uma forma ainda mais completa. Foi publicado em setembro de 2015, no Reino Unido. Pode ser adquirido através da Amazon.

“Os homens precisam de apoio no parto”

Fonte:

Patrícia Lamúrias

Pais & Filhos, número 302, março 2016

gravidez,bebé,especialistas,Conselhos,trabalho de parto,epidural,parto,nascimento,massagens,hospital,pais,infeção,casal,hospitais,comportamento,mulheres,stresse,ocitocina,amor,relação,entrevista,homens,nascer,ajudar,parteiro,Mark Harris,apoio,parto na água,aulas para parto,vida sexual,máquina de TENS,