Nunca uma frase feita correspondeu tanto à realidade: somos as mesmas e, no entanto, tudo muda. A artista Sarah Walker, em declarações à revista americana The Atlantic, descreveu esse redescobrir de nós próprias após a maternidade de forma mais metafórica e, talvez por isso, mais poética: “Tornarmo-nos mãe é como, de repente, descobrir um quarto estranho, desconhecido, que afinal existe na casa em que moramos desde sempre.”

Assim é. E não somos apenas nós que notamos as diferenças. Ou talvez demoremos mais a notá-las, embriagadas que estamos com a chegada desse novo amor que é o bebé. Podem começar por ser os outros a notar que não parecemos a mesma pessoa. E muitas mulheres, depois de serem mães, são por vezes criticadas pelo seu comportamento que parece pouco racional. As conversas que versavam sobre política nacional passam a ser pontuadas por considerações sobre a cor e textura dos cocós. Onde antes havia sempre uma franja impecavelmente lisa, há agora um cabelo que faz lembrar um ninho de cucos. Onde havia uma criatura com feroz mau humor ao acordar, passa a haver uma que salta da cama com o melhor dos modos se o bebé resmunga no berço.

Nem sempre as explicações simples – não confundir com simplistas! – são as mais verdadeiras, mas neste caso, cumprem. Há tempos, contava-me uma recém-mãe que a acusavam de estar muito focada no bebé. Com uma simplicidade desarmante, respondeu: “É um recém-nascido e a coisa mais importante que já aconteceu na minha vida. Em que mais é que eu podia estar focada agora?”

“É perfeitamente normal e até desejável que assim seja, que a mulher se foque no seu bebé e no seu novo papel: ser mãe”, defende a psicóloga – e também recém-mãe – Sara Sereno. Para quem olha de fora, o comportamento pode parecer demasiado focado na criança e no seu mundo, mas é preciso não esquecer que entre as mudanças emocionais profundas e os novos aspetos práticos da vida sobra, naturalmente, pouco tempo para o resto. “O bebé precisa que cuidem dele, a mãe precisa de recuperar fisicamente, de aprender como se toma conta de um  bebé, a aprender a sentir-se bem consigo própria como mãe. Nas primeiras semanas sugere-se mesmo que a mãe se dedique em pleno ao seu bebé, que faça horários semelhantes aos do bebé, ficando livre de outras responsabilidades habituais”, esclarece.

O que muda com a maternidade?

Cérebros em transformação

Se é inegável que comportamentos como o conhecido “fazer o ninho” antes do nascimento do bebé, ficar nervosa quando o recém-nascido chora, passar o dia todo a falar do recém-nascido, programar o dia e as rotinas da família em função dele têm um componente prática e uma carga cultural, não é menos verdade, pelo menos de acordo com alguns estudos, que há muito de biológico e fisiológico nestes comportamento. Que é como quem diz: o cérebro das mulheres, ao serem mães, sofre modificações que as tornam mais empáticas e menos reativas ao stresse. Uma delas, e das significativas é esta: as mudanças hormonais que ocorrem logo após o nascimento – por exemplo o aumento dos níveis de oxitocina, estrogénio e prolactina – fazem crescer algumas áreas cerebrais, conclui um estudo liderado pela neurocientista Pilyoung Kim, publicado na revista “Behavioral Neroscience”, da American Psychological Association.

A comparação de imagens de ressonância do cérebro de 19 recém-mães, obtidas entre as duas e as quatro semanas após o parto e, depois, passados três a quatro meses do nascimento, mostraram que a massa cinzenta tinha crescido em áreas como o hipotálamo (associado à motivação), a substância negra e a amígdala (ligadas à recompensa e ao processamento da emoção), o lobo parietal (integração sensorial) e o córtex pré-frontal (raciocínio e julgamento).

O que muda com a maternidade?

Segundo a equipa de investigação, estas mudanças terão origem nas alterações hormonais após o nascimento e o estímulo causado pelo contacto com o bebé, levando o neurocientista Craig Kinsley, que se dedica ao estudo do cérebro das recém-mães, a defender que “a motivação para cuidar de um bebé e os traços característicos da maternidade podem ser menos uma resposta instintiva e mais um resultado da construção ativa do cérebro”.

A psicóloga Anabela Araújo Pedrosa, da Unidade de Intervenção Psicológica da Maternidade Daniel de Matos, em Coimbra, prefere não comentar os estudos que incidem sobre as alterações cerebrais associados à maternidade pelo facto de serem “pouco numerosos e nem todos consensuais”, mas numa coisa está de acordo: a ideia de “instinto maternal” é pouco consensual. “O comportamento materno e a prestação de cuidados ao bebé por parte da mãe é flexível, muito diversificado e permeável às influências sociais, culturais, entre outras”, defende.

Também Sara Sereno alerta que estas noções pré-concebidas nem sempre são benéficas. “Socialmente é veiculada a ideia de que após o parto há uma espécie de clique do instinto maternal, transversal a todas as mulheres. Como muitas vezes isto não acontece, os sentimentos contrários são vividos com muita ansiedade e angústia. São muitos os autores que negam a existência deste instinto, considerando que a capacidade materna é moldada por diversos fatores psicológicos, que a fazem emergir e desenvolver, ou pelo contrário, a impedem”. Apesar disso, a psicóloga entende que é indiscutível “que os processos de gravidez e maternidade se traduzem em profundas mudanças a nível físico, fisiológico, psicológico, familiar e social que, gradualmente preparam a mulher para a aceitação e integração da gravidez até ao nascimento do bebé.

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Ocitocina, a arma anti-stresse

“Winnicott [pediatria e psicanalista inglês] fala do estado psicológico particular das mães após o nascimento denominando-o de ‘preocupação materna primária’, preparando a mãe para os cuidados maternos, o que é facilitado pelas alterações hormonais. Esta fragilidade emocional e hipersensível aproximam-na do bebé e das suas necessidade, o que conduz à satisfação imediata e adequada das mesmas”, conta-nos Sara Sereno.

A ocitocina – produzida pelo hipotálamo e frequentemente chamada de hormona do amor – parece ser uma das principais responsáveis por alterações que resultam num cérebro motivado, atento, protetor das necessidades do bebé e que impelem a mãe a alterar as suas prioridades de vida, e ser capaz e interpretar de forma eficaz as necessidades do bebé. Um estudo recente levado a cabo pela psicóloga Ruth Feldman da Bar-Ilan University, em Israel, mostra que quando as mães tocam e dão colo aos seus bebés a ocitocina diminuiu. A investigadora refere ainda que esta pode parte da explicação para o facto de as mães de prematuros poderem ter algumas dificuldades de vinculação, quando impedidas de pegar nos seus bebés, razão pelo qual, hoje em dia, o toque, a massagem e a posição de canguru são fomentadas nas unidades de cuidados intensivos neonatais.

Também o processo de amamentação é responsável por moldar os caminhos neuroquímicos no cérebro da mãe. Kerstin Uvnas-Mobery, do Karolinska Institute, na Suécia, e uma das autoridades a nível mundial sobre o papel da ocitocina, concluiu, depois de uma série de experiências, que as mães que estão a amamentar tendem a ser menos reativas ao stresse, menos tensas, menos desconfiadas e aborrecem-se menos quando comparadas com mães da mesma idade que não estão a amamentar.

Com tanto ocitocina em circulação, e mesmo não sendo ainda clara a origem de algumas alterações visíveis a nível cerebral, o que os cientistas sabem é isto: olhando para o que está a acontecer no cérebro, tornarmo-nos mães é muito parecido com ficar perdidamente apaixonada. E todas nós sabemos que isto não podia ser mais verdade.

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Mais “lentas” durante a gravidez?

É frequente ouvir grávidas queixarem-se que estão “desmemoriadas”, não se lembram de nada, não conseguem manter o foco muito tempo. Estes sintomas são tao falados que os anglo-saxónicos cunharam um termo para eles: o “baby brain” (cérebro de bebé). Mas é verdade – ou, pelo menos, há alguma razão – para as nossas capacidades cognitivas serem alteradas durante a gravidez? Não há consenso: muitos obstetras e psicólogos admitem que possa acontecer, por força das alterações com o corpo, as preocupações com a chegada do bebé, e as alterações hormonais a que a mulher está sujeita. A neuropsiquiatra americana Louann Brizendine, autora do livro “The Female Brain” defende que o aumento nos níveis de progesterona e estrogénio durante a gravidez fazem com que a mulher fique mais focada no bebé e provocam alterações no cérebro feminino que o fazem chegar a encolher até oito por cento, tais são as alterações nas suas estruturas.

No entanto, alguns estudos, entre eles um da Universidade Brigham Young (EUA) defendem que este “cérebro de bebé” é um mito e que não há razões, a não ser psicossomáticas, para haver uma diminuição das capacidades mentais da grávida, nomeadamente da memória. Na realidade, defendem os investigadores, a mulher comportam-se como acha que é esperado que se comporte. E se acha que o normal é esquecer-se de coisas por estar grávida, então o mais provável é que se esqueça mesmo.

O que muda com a maternidade?

Fonte:

Sofia Teixeira

Pais & Filhos, número 304, maio 2016

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