Amor. Que tema ambicioso para uma conferência, não acham? Foi assim que Kevin Nugent, fundador e diretor do Instituto Brazelton do Boston Children’s Hospital, começou por interpelar os participantes na Conferência Internacional Love Synapses, no passado mês de janeiro. Organizada pela Fundação Brazelton/Gomes-Pedro, esta conferência reuniu especialistas nacionais e internacionais, todos com prática e investigação diversas, mas quase sempre centrada na intervenção precoce em bebés e crianças. Biólogos, psicólogos, neurocientistas, pediatras, educadores centraram-se na forma como podemos criar crianças, famílias e comunidades mais resilientes. Em todas as intervenções, um traço comum: as relações afetivas iniciais realmente importam. Aliás, são determinantes. O amor passou de conceito abstrato a ingrediente neuroquímico indispensável.
Efeitos do desamor
Charles Nelson, professor de pediatria e neurociência em Harvard, estuda, há 15 anos, bebés que foram abandonados e tiveram de ser criados em instituições públicas, em países como a Roménia e o Brasil. “Durante os períodos críticos, o cérebro precisa de experiências que ocorram em alturas específicas para que se consiga desenvolver de forma normal. Quando se falham essas janelas temporais, o desenvolvimento da criança atrasa-se”, revela. E destaca: “A atividade elétrica do cérebro é muito menor em crianças institucionalizadas. Realizámos ressonâncias magnéticas aos cérebros dessas crianças, entre as oito e os dez anos, e descobrimos que tinham cérebros mais pequenos, com menos quantidade de massas cinzenta e branca”.
Serão, assim crianças com um QI entre os 60 e os 70, com menos memória, linguagem limitada e incapacidade para as relações sociais. “Os eventos que acontecem numa fase prematura da vida também podem ter um enorme impacto económico, porque estas crianças não estarão preparadas para serem pessoas que contribuam para a sociedade”, alerta o investigador.
Ana Teresa Brito, membro do Conselho de Administração da Fundação Brazelton/Gomes-Pedro, especialista em questões de educação, sensibilizou-se com os dados apresentados. “A evidência que nos trouxe sobre as crianças institucionalizadas é um imperativo ético e de consciência. Se sabemos que é tão importante a criança viver desde cedo com adultos significativos, é como se todos os seus resultados nos obrigassem a pensar juntos como podemos diminuir o número de crianças nessa situação, número esse que e tão grande em Portugal”.
Oportunidade única
Sabendo que a relação de amor entre o bebé e cuidador é essencial para o desenvolvimento do seu cérebro, como podemos ajudar pais e filhos a conectarem-se o mais cedo possível? Kevin Nugent, cocriador com Berry Brazelton da Newborn Assessment Scale, reconheceu que esta escala tinha como principal objetivo ajudar a que o bebé e os pais saíssem da maternidade apaixonados.
“A escala não pretende pontuar, classificar ou comparar. O objetivo é avaliar a individualidade de cada bebé e facilitar o conhecimento do bebé por parte dos pais. Pretende captar a riqueza de cada recém-nascido, para ajudar os pais a perceber as necessidades daquele bebé. Para que digam: ‘Eu conheço esta pessoa e é o meu bebé que me vai dizer como eu devo ser pai dele’.” Kevin Nugent partilhou a sua abordagem, na primeira visita ao bebé na maternidade: “Eu não digo: ‘Posso examinar o seu bebé?’ Eu digo: ‘Vamos olhar juntos para o bebé’. Não há promessas, cada bebé é um mistério”.
Também este investigador reforçou a importância dos famosos primeiros 1000 dias. “É nessa fase, na relação com os pais e com os cuidadores, que os bebés organizam a sua capacidade de pensar, aprendem a confiar, a compreender instruções e ideias, e regularem as suas emoções, a explorarem o mundo, a preocuparam-se com os outros… a amar”.
Como profissional de saúde, Kevin reconhece que tem “o privilégio de trabalhar com as famílias, durante esse período singular, que é uma oportunidade única para moldar a forma como aquele bebé irá lidar com a adversidade, com a amizade, com o sucesso e a felicidade, durante a sua vida”. E deixou um desafio: “Criarmos uma comunidade única de suporte a cada família, desde os padrinhos, aos avós, aos profissionais de saúde e educação, que ensinem à criança como se ama”.
Prioridade: a criança
Com base em todo o conhecimento que se tem sobre o desenvolvimento infantil, Joshua Sparrow, diretor do Brazelton Touchpoints Centre, começou por fazer um repto: “Se considerarmos o bebé e a criança como a primeira prioridade das comunidades de todo o mundo, tudo o resto ocupará o lugar certo”. Com esta visão, aplica e divulga diariamente o modelo Touchpoints, que desenvolveu na sua apresentação.
“Não é só um modelo, é uma forma de ser, estar e agir, antecipando com as famílias períodos de crise”. A propósito conta que pediatras na Guatemala lhe disseram que “o modelo Touchpoints é um instrumento ‘low cost’, ‘low tech’ de intervenção pública pediátrica”. Encarando o desenvolvimento, não de uma forma linear e evolutiva, mas sim com os avanços e recuos, reafirma as capacidades dos pais. “É muito importante os pais sentirem que são os grandes especialistas dos seus filhos”.
Ana Teresa Brito reforça: “Quando são apoiados neste modelo, os pais sentem-se muito mais confiantes na parentalidade e sofrem menos stresse”, ficando mais disponíveis para a relação. Para estarem presentes com calma, para darem colo, mimos e cuidados, e para com o olhar, a voz e o toque multiplicarem as tais sinapses do amor. Como conclusão, Ana Teresa Brito reforça: “É absolutamente necessário que quem decide politicamente tenha conhecimento daquilo que hoje sabemos sobre a criança e o seu desenvolvimento e em termos da importância de intervir bem e logo desde a gravidez”. E termina com uma frase de Edgar Morin: “A missão é impossível. A demissão é ainda mais impossível.
“O sucesso faz-se pela relação com cada criança”
Ana Teresa Brito faz um balanço da conferência “Love Synapses”, falando-nos das mensagens que foram passadas e que merecem ser divulgadas ao máximo.
“A importância da família é algo que devemos sublinhar muito e sempre que possível. O valor do tempo da criança, da sua voz e da sua participação, também. Vivemos numa sociedade muito competitiva e as famílias sentem muito a pressão pelo sucesso. Mas o sucesso, principalmente nos três primeiros anos de vida, faz-se pela relação que estabelecemos com cada criança por essa capacidade de se sentir amada. É preciso contrariar a ideia que é positivo muito estímulos externos ou muita exigência o mais cedo possível sobre as competências que vão levar a competências académicas e ao sucesso profissional. É importante que os pais se sintam seguros que a via da relação é a via que toda a investigação aposta como aquela que melhor constrói o ser humano. É importante as famílias sentirem algum espaço de calma na sua relação, cuidarem dela e rodearem-se das pessoas que os podem ajudar no processo de serem pais, nomeadamente na área da saúde e da educação. Como uma educadora excelente que eu conheço afirma, “enquanto os neurocientistas estudam os neurónios, os educadores ligam os neurónios
Fonte:
Ana Sofia Rodrigues
Pais & Filhos, número 302, março 2016