O cérebro humano possui uma média de 100 biliões de neurónios. Se os fôssemos contar, um por segundo, demoraríamos três mil e duzentos anos! A sua complexidade tem fascinado os investigadores, que se rendem à quase “magia” da sua formação e desenvolvimento. “O cérebro tem sido moldado por milhares de gerações de evolução para resultar na mais sofisticada máquina de processamento de informação à face da Terra. E o mais surpreendente: constrói-se a si próprio”, conclui o neurocientista Sam Wang, no seu livro “Bem-vindo ao cérebro do seu filho”.
Era uma vez…
Tudo começa muito cedo e, do momento da fertilização do óvulo até à fase de recém-nascido, a construção é em grande parte automática.
Como refere Sam Wang com graça: “O principal requisito é uma mãe saudável. Como diz na embalagem dos nossos eletrodomésticos preferidos: não é necessária montagem”. A partir das três semanas após a conceção, forma-se o tubo neural, que mais tarde dará origem ao cérebro e à espinhal medula. A deficiência em ácido fólico na mãe aumenta o risco de defeitos do tubo neural, pelo que, idealmente, logo quando se está a tentar engravidar deve começar-se a tomar um suplemento. Por volta da sexta semana, dá-se a segmentação, que divide o tubo neural em regiões distintas. Assim que estão especificadas todas as áreas do cérebro, estas vão aumentando e amadurecendo ao longo do tempo. Este processo continua ao logo da infância até à adolescência. Biliões e biliões de células novas são produzidas. A produção de neurónios encontra-se largamente concluída aproximadamente nas vinte semanas de idade gestacional. Um número reduzido continua a ser gerado até à idade adulta.
O que podem as grávidas fazer para que o desenvolvimento do cérebro do bebé corra bem? Mónica Pinto, pediatra do desenvolvimento e coordenadora da Unidade de Neurodesenvolvimento do Hospital Beatriz Ângelo, aconselha: “Durante a gravidez, o bebé já tem muitas competências e é sensível ao ambiente que o rodeia dentro e fora do útero. A exposição a stresse pode gerar problemas ao futuro bebé. Recomenda-se, assim, que a mãe coma bem e de forma equilibrada, faça exercício regular e tenha uma gravidez sem stresse. E uma vez que a audição é um dos primeiros sentidos a ser desenvolvido é também importante que a mãe e o pai falem com o bebé e que o sintam como um ser já participante na vida futura”. De facto, está estudado que o stresse maternal aumenta o risco de problemas como lábio leporino, comportamento de tipo depressivo na idade adulta e distúrbios de atenção. Os autores do livro “Bem-vindo ao cérebro do seu filho” alertam para outros fatores: ”Os efeitos mais graves no cérebro resultam de duas drogas legais: nicotina e álcool”. Destacam os estudos a longo prazo que provam que filhos de mães que comeram mais peixe na gravidez têm cérebros que funcionam melhor, alertam para evitar-se tomar medicamentos, sobretudo no terceiro trimestre de gravidez e deixam um último conselho: “Uma das melhores coisas que a grávida pode fazer para proteger o cérebro do seu bebé será deixar a gravidez chegar a termo, sempre que possível. O parto prematuro aumenta o risco de distúrbios do desenvolvimento neurológico.
Em jeito de metáfora culinária, o bolinho vai sair muito bem – se o deixarmos cozer devidamente”.
Um ano sem igual
Cá fora, o recém-nascido vem equipado de origem com uma caixa de ferramentas básicas para a aprendizagem, mas ainda faltam muitas tarefas. No primeiro ano, os bebés lançam os alicerces de todas as suas capacidades adultas, da linguagem à locomoção. O cérebro muda com mais rapidez neste primeiro ano do que em qualquer outra altura.
Além disso, continua em franco crescimento, como explica Mónica Pinto: “A construção do cérebro continua após o nascimento. A nossa espécie teve de encontrar estratégias que lhe permitiam a sobrevivência. Para que a cria humana nascesse com a mesma competência dos outros mamíferos superiores, seria necessário uma gestação de 21 meses e o tamanho do cérebro não seria compatível com a passagem no canal de parto! Assim, uma das estratégias encontradas foi a de encurtar a gravidez, passando a gerar crias ainda imaturas, mas cujo crescimento e desenvolvimento cerebral continua fora do útero.
Esta estratégia gera crias que necessitam muito dos cuidados da mãe até aos 12 meses, altura em que o bebé começa a andar, a comunicar a autoalimentar-se”. O cérebro do recém-nascido tem cerca de 25 por cento do peso do cérebro do adulto; aos oito meses ronda os 80 por cento.
A pediatra do desenvolvimento resume o trabalho árduo deste primeiro ano: “Ocorre um enriquecimento das vias neuronais e progressivamente uma otimização das vias que são preferenciais e uma redução das vias redundantes ou desnecessárias. Desenvolvem-se sobretudo as áreas cerebrais relacionadas com os aspetos sensoriais e há um aumento da substância cinzenta em perto de 150 por cento.
Atividade ao rubro
Nos anos seguintes, o cérebro vai-se organizando de acordo com as experiências vivenciadas”. Por isso, a ideia que os bebés nos primeiros tempos são um “come e dorme” está muito longe da verdade. A atividade cerebral dos bebés está ao rubro. Imediatamente depois do parto, as sinapses (ligações entre neurónios) criadas a cada segundo podem ascender a 40 mil.
O mais fascinante é que o cérebro do bebé sabe naturalmente como conseguir o que precisa do mundo. No início, o bebé não consegue controlar a maior parte do seu corpo, mas sabe sugar no mamilo imediatamente após o parto. Trinta minutos após nascerem, os bebés já mostram preferência por rostos humanos e, dois dias mais tarde, as vozes humanas são as suas eleitas.
Se é verdade que os bebés fazem todo este trabalho sem precisarem de aulas, é inquestionável que genes e ambiente estão ligados ao longo da vida. Uma brincadeira, um sorriso, uma conversa, um toque podem ser ginástica para qualquer cérebro. Ouvir uma canção de embalar, por exemplo, ajuda a desenvolver as redes neuronais, que são fortalecidas por ativação repetida. A bainha que envolve as fibras nervosas torna-se mais espessa nas vias utilizadas com maior frequência, ajudando os impulsos elétricos a viajar mais depressa. Os circuitos não utilizados são eliminados através do corte de ligações. Conclusão: as experiências desempenham um papel fundamental na maturação dos circuitos que irão prevalecer.
Estímulo parental
Vários estudos têm concluído que bebés mais estimulados ao nível cognitivo obtêm melhores resultados em tarefas de linguagem e bebés que recebem mais afeto conseguem melhores resultados em tarefas de memorização.
“Todas as atividades que tenham a participação ativa dos pais e que sejam interativas têm um papel muito importante no primeiro ano de vida. Há estudos que mostram que o canto da mãe (mesmo desafinado) tem mais impacto no desenvolvimento cognitivo e emocional do bebé do que a exposição, por exemplo, a música clássica”, reconhece Mónica Pinto.
E alerta: “Da mesma forma, nos primeiros dois anos de vida, a exposição passiva à televisão, mesmo a vídeos supostamente estimulantes do ponto de vista cognitivo, tem demostrado não melhorar as competências linguísticas do bebé e mesmo inibir o desenvolvimento da linguagem. Conversar, cantar, contar histórias, ler livros em partilha com o bebé são as atividades mais enriquecedoras.
A infância é um período sem igual de crescimento cerebral, mas sabe-se que os bebés não são uma tábua rasa e que participam ativamente no seu desenvolvimento, por isso, como Sam Wang remata: “Vamos descontrair. Desfrutem mais dos filhos. É uma abordagem igualmente eficaz para produzir adultos saudáveis… e muito mais divertida para todos”.
“Acima de tudo, ralaxem”
Sam Wang, um dos autores do livro “Bem-vindo ao cérebro do seu filho”, deixa alguns conselhos interessantes aos leitores da Pais&filhos.
Quais as conclusões mais surpreendentes a que chegaram?
Houve duas coisas que me impressionaram: a forma como os bebés estão aptos a conhecer o mundo mal nascem e o quão rápido eles aprendem. Outro aspeto que me interessou em especial foi perceber a força da genética. É óbvio que aprendemos através do ambiente em que vivemos mas começamos a nossa vida com muitas tendências inatas que se desenvolvem com o nosso contacto com o mundo.
Escolha três conselhos para pais que gostariam de ajudar os seus filhos a desenvolver o seu cérebro.
Durante a gravidez, não se preocupem. O desenvolvimento do feto é quase inteiramente automático. A mãe pode comer todo o peixe que quiser e reduzir o stresse, especialmente no terceiro trimestre. Acima de tudo: relaxem! Muito do que a criança aprende provem do ambiente, o que inclui não só os pais mas também os seus colegas e comunidade. Procurem um bom bairro onde morar e uma boa vizinhança. As crianças aprendem imenso pela prática. Não só fatos e capacidades, mas também qualidades pessoais como a força de vontade. Os pais podem ajudar os filhos a encontrar atividades que eles adorem e que passem muito tempo concentrado nelas. Isto irá desenvolver o seu autodomínio, que será muito útil em futuras tarefas.
Os estímulos eletrónicos estão a mudar os cérebros dos bebés?
Os bebés não devem ver televisão nem usar dispositivos eletrónicos até aos três anos de idade! Não têm o autocontrolo necessário para conseguirem usá-los de forma apropriada. É o que recomendam os pediatras e nós [especialistas em neurociência] também.
Fonte:
Ana Sofia Rodrigues
Pais & Filhos, número 298, novembro 2015