Joana era a menina dos olhos do pai. Todos os dias, era ele que a ia buscar ao infantário e iam para casa, felizes entre brincadeiras e risos. Ele às vezes ralhava com ela, é certo, sobretudo quando fazia birras à hora do jantar. Contudo, não dispensavam o beijinho de boa noite! Um dia, quando a Joana saiu do infantário era a Dona Anita que estava à sua espera. Lembra-se de ter perguntado pelos pais e a senhora ter desviado o olhar e respondido muito vagamente. Ficou a dormir em casa da Dona Anita e ela levou-a ao infantário. A educadora e as auxiliares deram-lhe muitos beijinhos e perguntaram se ela estava bem. Não percebeu nada... afinal de contas não estava doente, porque estariam preocupadas? No dia seguinte, foi a mãe que a foi buscar. Tinha um ar abatido e abraçou-a muito fortemente. "O pai?", perguntou. "O pai foi viajar...", respondeu a mãe. Passaram-se seis meses. Joana todos os dias pergunta pelo pai e continua à espera que ele volte...

A morte de um ente querido pode constituir um trauma mais ou menos grave para a criança.

Elisabeth Kubler-Ross, psiquiatra de formação, foi um das autoras que mais se dedicou à temática da morte e nos seus estudos desaconselha vivamente que sejam dadas explicações do tipo “Deus levou o pai porque ele era bom” ou “Deus levou o Henrique para o céu, por amar as crianças”. Associar a morte à bondade pode gerar uma mágoa contra a Entidade Divina e acordar um sentimento de profunda injustiça. Explicar que foi fazer uma viagem também é insensato. A criança perguntará constantemente pelo dia da volta e, à medida que o tempo vai passando, o sentido de abandono vai-se instalando. Até porque, em muitos casos, quando os pais são hospitalizados prometem que estarão de volta dentro em breve. Como a criança não foi levada a visitá-los durante a hospitalização, vai ficar à espera que se cumpra a promessa. Outra explicação utilizada, especialmente com relação a uma pessoa idosa, é dizer que foi dormir. É certo que é apenas um modo figurativo de explicar os factos, mas as crianças não têm ainda a capacidade de o entender. Levarão à letra o que lhes é dito e não é de surpreender, que o ato de adormecer passe a ser uma atividade perigosa. A noite transforma-se num tormento, em que o sono é associado à morte. Daqui surgem os pesadelos e o medo do escuro.

Não é raro que, no caso da morte de um dos pais, a criança tenha receio que o outro também morra. Esta angústia traduz-se frequentemente em comportamentos difíceis de entender. Se a reação é de tristeza, não existem dificuldades em identificar a doe subjacente, mas existem crianças que se tornam distraídas, hiperativas ou que têm súbitas explosões de agressividade. É a outra face da depressão, que como não é tão evidente, pode não ser imediatamente associada à perda. 

Como abordar o tema?

Quando for altura de abordar este tema, os adultos têm que ter em conta que todas as crianças possuem já algumas ideias sobre o assunto. No decurso das suas curtas vidas, vão-se apercebendo de algumas situações, mais que não seja através do desaparecimento dos animais de estimação. A partir do que lhes é dito pelos adultos desenvolvem depois as suas próprias ideias.

Certo é que são poucas as pessoas que se sentem à vontade para falar com as crianças sobre a morte. Algumas optam por levá-las ao psicólogo, temendo que estejam traumatizadas com a situação. Contudo, convém acentuar, que não é a situação em si que é geradora do trauma mas sim todo o silêncio que por vezes a envolve. Não existem temas impossíveis de abordar. Alguns apenas exigem uma maior sensibilidade por parte dos adultos. Também não existem receitas que se possam aplicar em todas as situações. Cada caso é um caso e tem que ser tratado de modo diferente. Acima de tudo é importante que as crianças recebam informações imediatas e seguras sobre o que aconteceu. Um adulto deve disponibilizar-se para responder com a maior sinceridade às perguntas que forem sendo feitas.

Quando é um dos pais que morre, o outro sentir-se-á tão fragilizado que dificilmente será capaz de apoiar os filhos logo nos primeiros momentos, por esse motivo, procurar o apoio dos familiares e amigos é fundamental para que o adulto se possa equilibrar emocionalmente e assim incluir os filhos no processo de luto.

Havendo informação e apoio, torna-se possível que as crianças se enlutem de uma forma tao sadia como os adultos mas há que saber dosear essa realidade.

Como podemos ajudar?

A ajuda que podemos dar a qualquer criança, jovem adolescente ou mesmo adulto, é partilhar os seus sentimentos. Deixar que falar, grite ou chore, se necessário. Irem aos cemitérios juntos e colocar flores sobre a campa, são atos simbólicos que facilitam o luto e ligam efetivamente as pessoas. Permitir que se falar normalmente sobre o falecido, recordando os momentos bons, é mantê-lo vivo na memória de todos. Se a criança quiser ver um filme onde está o pai/mãe que faleceu, não há motivos para o impedir.

É certo que causa alguma saudade e tristeza mas estas emoções/sentimentos que fazem parte da vida e assim deverão ser encarados. Havendo informação e apoio, torna-se possível que as crianças se enlutem de uma forma tão sadia como os adultos mas há que saber dosear essa realidade.

É um pouco como falar de sexo a uma criança. Primeiro temos que perceber o que é que a criança já sabe sobre o assunto, para depois irmos dizendo à medida da necessidade de cada uma. Não vale a pena romancear o tema se a criança já souber de tudo. Assim sentir-se-á enganada, já que mais cedo ou mais tarde terá que perceber que o morto não voltará nunca! Depois é fornecer-lhe apoio necessário para que viva o seu luto de uma forma saudável. Não ter um processo de luto adequado, pode mais tarde traduzir-lhe na incapacidade de estabelecer relacionamentos próximos, devido ao medo constante da perda.

As crianças devem ir ao funeral?

É sabido que é preferível chorar uma morte que um desaparecido. A morte tem um local onde a veneração é passível de ser feita. O desaparecimento é a incerteza, o vazio total, o luto interminável. No caso de acidentes graves, em que algumas pessoas entram em coma e outras acabam por falecer, a situação é semelhante. Quando as pessoas saem do coma, ergue-se um vazio. Não conseguem assimilar o que aconteceu, nem iniciar um luto, uma vez que todas as cerimónias fúnebres já aconteceram e não existe um corpo que permita o teste da realidade. Muitos iniciam um processo de luto patológico, em que negam o sucedido e acreditam que a pessoa continua viva. É por este motivo que se aconselha a presença de toda a família nos rituais fúnebres. No caso das crianças, há que acompanhá-las de perto, mas permitindo-lhe que estejam presentes. A expressão da dor, varia de pessoa para pessoa e assim é também com as crianças. Algumas choram copiosamente, outras optam pelo silêncio. Constata-se que o pranto é tanto mais longo, quando mais velha for a criança, possivelmente devido à consciência da irreversibilidade da situação.

Fonte:

Teresa Paula Marques (Psicóloga)

Revista Pais&Filhos

número 288, janeiro 2015

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