“Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens”

A frase é de Saramago e citada de um livro inexistente, o Livro das Evidências, espelhando uma convicção que o autor tinha no que diz respeito ao nome de cada um de nós. Sabemos o nome que nos dão, mas não sabemos, ao certo, o que significa isso. Quem somos nós, afinal? O nosso nome atribui-nos um carácter, um destino? E o que está por detrás deste nome, da sua escolha, do momento que nos encontramos com ele?

Como muito bem diz Gonçalo Bettencourt, pai de Marta, “o nome é quase como o ADN”. Atribui-nos uma sonoridade que pode ser mais dura, mais melódica ou doce. Pode ter um significado mais agressivo ou mais inquieto e, em certos e, em certos casos, até invocar a ideia de velhice ou de juventude. Conota-nos de certa maneira e dá-nos uma identidade que a nós adere como uma segunda ou até primeira pele até ao fim das nossas vidas. O que devemos, então, considerar antes de escolhermos tanto significado e sentido quando uma nova vida se anuncia? Os valores que temos como queridos são muitas vezes evidentes nas nossas preferências por este ou aquele nome; a determinação, a originalidade e a beleza são pontos em que muitos apostam, sendo que a originalidade não é, de todo, um forte da sociedade portuguesa no que toca à escolha do nome, continuando a apostar nos clássicos Maria e João. Rastapopoulos ou Castafiori são inquestionavelmente originais, mas são isso mesmo, demasiado originais e indissociáveis das personagens que ilustram as aventuras de Tintim para que possam ser atribuídos a um bebé acabadinho de chegar. É unânime: a escolha do nome do bebé é algo de grande importância, a atribuição de uma identidade que irá acompanhá-lo até ao final dos seus dias e, há mesmo quem diga, influenciar o natural desenrolar dos acontecimentos que lhe dizem respeito, o desenvolvimento do seu carácter e até a sorte que virá a ter.

Tradição ou moda

Nesta ciência, a dos nomes, há muito que se diga, logo a começar pela origem geográfica e etimológica do nome, como também do seu significado. Mas não são apenas estes os fatores que pesam na escolha criteriosa que os futuros pais abraçam. A tradição familiar e o histórico das gerações têm também forte influência nas famílias mais conservadoras e nas mais modernas até à simples novela do momento ou o herói da bola podem desempenhar papéis decisivos.

De acordo com o Instituto dos Registos e Notariado (IRN), em 2014 os nomes mais escolhidos foram Maria (4809) e João (1809), à semelhança do que aconteceu no ano anterior. Logo a seguir, os pais deram larga preferência aos nomes Matilde e Leonor, no caso das meninas, e no caso dos rapazes a Rodrigo e Francisco.

Nos últimos anos tem-se verificado um regresso aos clássicos, com a preferência por nomes como Beatriz, Mariana, Carolina, Martim, Santiago e Tomás e ganhar terreno sobre antigas versões compostas, neste cado dando-se preferência às de Maria Inês (603) e João Pedro (343). No entanto, persistem ainda nomes de origem estrangeira e alguns deles declaradamente decalcados de personalidades famosas como é o caso dos nomes Rihanna ou Zidane. Uma coisa parece certa, na sociedade portuguesas mesmo tendo em conta a forte presença imigrante e todas as influências interculturais que surgem com os movimentos migratórios ou graças às acensões meteóricas de personagens do estrelato, a grande prevalência de nomes é, de facto, de origem portuguesa e muito tradicional, verificando-se até um regresso aos nomes mais clássicos.

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O que está por detrás das escolhas?

Catarina Lima Raposo, mãe de João, mais conhecido por Bão, explica a sua escolha. “Não havia grade hipótese. Ao longo de gerações, o filho mais velho da família do pai de Bão chama-se alternadamente João ou José Frederico. Como o pai de Bão é José Frederico, o nosso bebé ficou João. O que foi mesmo curioso foi que quando ele era pequenino não dizia João, dizia Gão e eu então aproveitei e ensinei-lhe Bão, que era como o avô dele também era conhecido. Ficou Bão para sempre”, explica a sorrir.

Isabel Costa, mãe do Miguel, foi na escolha motivada por razões absolutamente diferente das de Catarina. “Eu sempre gostei muito do nome Miguel e também gosto dos clássicos, pelo que assim que soube que vinha aí um rapaz foi imediato.” Já Susana Valongo, mãe do Tomás, da Vera e do Duarte, se baseou muito no significado dos nomes aquando da sua escolha para os filhos. Assim que soube que ia ser mãe, começou logo a pensar. “Para mim foi importante começar a selecionar nomes logo que soube que estava grávida e mais ainda escolher um assim que soube o sexo de cada bebé. Gosto de nomes curtos, sempre gostei de Tomás e quando descobri que significava gémeos achei mesmo curioso pois tive dois irmãos gémeos que infelizmente perdi e tudo me pareceu encaixar lindamente. Também gosto muito do significado de Vera, verdadeira, nome que escolhi para a minha filha. Para o Duarte já foi mais difícil encontrar um nome. Queríamos que o núcleo familiar participasse e ninguém se punha de acordo em relação aos três nomes que tínhamos selecionado, pelo que um dia acabei eu por escolher um quarto nome baseada no meu gosto pessoal e foi esse mesmo que ficou: Duarte!”.

Em Nome do Nome....

Conhecer primeiro e escolher o depois… quem é capaz?

Em muito menor número surgem os casos de pais que preferem ver primeiro o bebé e que tenham, então, perceber qual o nome indicada para aquela criança. João Maria e Rita Sá Coutinho são deste caso um exemplo. “Preferíamos saber se tínhamos um menino ou uma menina só no momento do nascimento e decidimos que havíamos de olhar para o bebé e “descobrir” qual seria o seu “verdadeiro nome””, explica João Maria. “Claro que tanto a Rita como eu tínhamos os nossos gostos, mas quando vimos a Constança foi só olhar para ela e falarmos uns dois minutos. Acho que não podíamos ter feito melhor escolha, o nome tem tudo a ver com ela!”.

Em Nome do Nome...

Quem manda são elas!

Entre o riso e a boa disposição, Gonçalo Bettencourt aborda um dos aspetos que parecem incontornáveis na escolha do nome do bebé. “Eu queria chamar-lhe Maria Madalena”, nome da minha mãe, mas não tive hipótese: a Susana disse logo que não e sugeriu Marta. Porque as mulheres são mesmo assim, dominadoras, e gostam de mandar, e porque nós, homens, gostamos de lhes fazer a vontade, lá concordei. Claro que também gosto de Marta e com o passar do tempo até me convenci que foi uma melhor opção. Penso que a escolha do nome é muito importante, é quase como que parte do nosso ADN. E por isso é importante que ambos os pais pensem e concordem… mas acho mesmo que nesta matéria são as mulheres que têm maior argumento e geralmente nós acabamos por ceder.

Em Nome do Nome...

Fonte:

Carla Santos Vieira

Revista Pais&Filhos

número 289, fevereiro 2015

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