"É melhor começares a estudar antes do início das aulas para este ano correr melhor que o outro!” Expressões deste tipo e com esta finalidade são comuns de se ouvirem e reouvirem durante as férias, mais especialmente no regresso em setembro antes de iniciarem as aulas. A preocupação dos pais em começar a “acordar” o cérebro depois das férias para que a “matéria” não se esqueça é uma preocupação compreensível, legítima e muito presente nas famílias portuguesas. Mas fará assim tanta diferença?
Nas férias são raras as crianças que preferem as tarefas escolares em detrimento doutras. E tanta falta fazem! Maior preocupação do que ativar o cérebro para o início das aulas, deveria ser não o deixar apenas focar na escola nove meses por ano. É sobretudo nas brincadeiras, diversões e despreocupações que damos espaço a que as crianças se assumam no que gostam, no que as fazem felizes e as preenchem enquanto pessoas. Certamente que uns podem gostar muito de matemática, de história ou inglês, mas a maioria, a esmagadora maioria prefere dedicar tempo a outras coisas que não deixam igualmente de serem importantes e benéficas. Não se aprende apenas nas aulas, na escola e com uma programação estruturada. A brincar também se aprende e muito. Em férias o cérebro não descansa. Apenas os estímulos são diferentes. Assim como podemos fazer exercícios aos músculos ao ar livre e não ter apenas de cuidar deles no ginásio com um plano de treino.
A sociedade em geral privilegia um desenvolvimento cognitivo. Preocupamo-nos que os miúdos saibam a tabuada mas nem por isso se não souber correr bem. Carlos Neto, da Faculdade de Motricidade Humana, diz que estamos perante uma “geração de crianças totós e de uma imaturidade inacreditável”. E lembra que antigamente se vislumbravam crianças com joelhos esfolados, e que hoje será a cabeça que esteja esfolada por não terem tempo nem condições para brincarem de forma a explorarem os seus desejos. Hoje, a preocupação parental é a de que as crianças consigam ter sucesso académico que lhes garantam melhores condições de acesso a bons cursos em boas universidades para terem bons empregos. Num tempo não muito longínquo o acesso a um curso superior era praticamente sinónimo de um bom emprego, um bom salário e uma estabilidade profissional de reconhecido mérito. Mas nessa altura, o acesso era limitado apenas a alguns, nos dias de hoje, o acesso massificado, estrangulou esta perceção. Não basta ter um curso. O importante é ser bom no que se faz, seja em que área for.
Para se ser bom em algo, tem de se ser bom consigo próprio. Alimentar o que nos faz felizes para que sintamos que existimos para viver e não apenas para trabalhar. Por isso, o tempo de recreio é absolutamente fundamental para a saúde mental e física da criança.
Tarefas que ajudam
O interessante é conciliar o bem-estar com o bem aprender. E isso consegue-se nesta altura (e sempre) através de tarefas que não sejam mais do mesmo, sobretudo mais componente cognitiva, de mais textos, mais fichas, mais contas. Através de atividades como:
- Vestir-se de olhos fechados;
- Andar de costas;
- Tentar ver as horas num espelho;
- Trocar o rato do computador de lado durante um dia inteiro;
- Escrever ou escovar os dentes com a mão que não usamos habitualmente;
- Optar por percursos diferentes do que o habitual para ir para um mesmo local;
- Folhear uma revista e procurar uma foto que chame a atenção e pensar num conjunto de adjetivos que considere de descrevem a imagem;
- Escolher uma frase em qualquer sítio e tentar formar uma frase diferente utilizando as mesmas palavras;
- Experimentar jogar qualquer jogo ou praticar qualquer atividade que nunca tenha feito antes;
- Memorizar uma lista de tarefas ou de compras em vez de elaborar uma lista;
- Jogar sudoku ou fazer palavras cruzadas;
- Fazer cálculos mentais com as matrículas dos carros que se encontrar no caminho;
- Encontrar uma determinada palavra num texto o mais rapidamente possível;
- Jogar ao stop.
Um cérebro que lê
Abordar o regresso à escola e preparar para aprender não significar apenas um “olhar” para a atividade cognitiva. O retomar ritmos de sono, de deitar e levantar fazem igualmente parte de uma boa preparação. A regulação de ritmos de sono ajuda uma vez que é a dormir que consolidamos as aprendizagens que se efetuam durante o dia.
Por outro lado, um cérebro acordado é um cérebro que lê. Ler é uma atividade que põe em ação um conjunto de competências que ajudam a manter um ritmo cognitivo estável sem que existam decréscimos significativos de rendimento e ajudam a que o regresso às aulas seja mais simplificado.
Finalmente, regressar às aulas significa regressar ao estudo, uma tarefa nem sempre pacífica. Estudar não é divertido e deve envolver uma rotina e uma adequação para se tornar eficiente e para que possa libertar tempo para outras atividades de gosto pessoal. Um estudo diversificado, atempado, com muitos exercícios, implicando rever a matéria sem grandes espaçamentos de tempo ajudarão a conseguir uma maior harmonia entre esforço e resultado obtido.
Um bom regresso pressupõe um olhar positivo e encorajador. As crianças sentirem que nós acreditamos no seu sucesso em que o nosso discurso é orientado para o bom e não para os problemas, as faltas, os atrasos, os testes, os exames, as reuniões, o estudo, os trabalhos… O discurso deve ser outro, repensado.
Estudar pode não ser divertido, mas aprender é. Associar a escola a aprender e não a estudar é um caminho para termos uma escola associada ao positivo e não tanto ao negativo.
Fonte:
Pais & Filhos, número 296, setembro 2015