O uso de novas tecnologias tem aumentado de frequência e intensidade. Ainda assim, até ao momento não existe consenso entre os investigadores, no que respeita a considerar-se estamos perante uma perturbação mental. Poderemos chamar-lhe vício? Uso patológico? Uso problemático? Dependência? A comunidade científica é unânime ao afirmar que a primeira tarefa é chegar a um acordo, tanto ao nível da designação, como dos critérios de definição. O facto de o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, na sua quinta e última edição, fazer referência apenas ao jogo online, faz com que os técnicos mantenham alguma cautela e optem por falar em “uso problemático” ao invés de vício.
Critérios
O termo “net adicction” foi avançado pela professora norte-americana de psicologia, Kimberly Young, em 1996, para designar a utilização excessiva de tecnologias. Esta e outros especialistas tentam estabelecer o padrão a partir do qual se pode considerar dependência. A média de uso semanal daqueles que preencheram os critérios para dependência foi de 38 horas semanais, cerca de quatro a 10 horas por dia, aumentando para 10 a 14 horas nos fins-de-semana. A maior parte das pessoas, mesmo que faça uso da tecnologia durante demasiadas horas, ainda não o encara como um vício, uma vez que se trata de um comportamento muito aceite e integrado na nossa sociedade. Certo é que existem pessoas, sobretudo adolescentes, que não conseguem passar muito tempo longe da Internet, e sobretudo, das redes sociais e esta situação acaba por ter impacto negativo em diversas áreas da vida. É fácil perceber que passar tantas horas online, não deixa muito tempo livre para outras atividades, seja frequentar aulas ou estar com os amigos. As implicações ultrapassam largamente a saúde mental, havendo também impacto ao nível da saúde física, como seja nos padrões de sono e de alimentação.
Num estudo recente levado a cabo por investigadores do ISPA – Instituto Universitário, 13 por cento dos jovens inquiridos revelavam fazer uma utilização muito problemática da internet e 70 por cento situavam-se num nível considerado de risco. Os investigadores afirmam que os rapazes são mais propensos a desenvolver este tipo de perturbação, uma vez que sendo mais ativos encontram nas tecnologias um meio de se manterem entretidos e, por conseguinte, mais calmos. Por seu turno, os pais acabam por aperceber-se da relação entre o estado de maior acalmia e a exposição à Internet, por isso não fazem nada para o limitar, acabando por contribuir para o acentuar do problema.
Impacto negativo em diversas áreas
O uso excessivo de tecnologias tem um impacto negativo ao nível dos padrões de sono. Estima-se que as novas gerações durmam cerca de duas horas a menos quando comparadas com a década de 1960. Um dos motivos é o efeito da luz azul (blue light), emitida de forma quase impercetível pela maioria dos aparelhos, que ao chegar à retina dá ao cérebro o sinal para interromper a produção de melatonina, evitando o surgimento do sono. Além disso, é ao fim do dia que os mais novos intensificam a utilização da Internet, o que faz com que vão para a cama mais tarde. Os estudos mostram que nenhuma criança ou adolescente deveria ir para a cama depois das 22h, já que quem dorme após as 23h está mais exposto ao surgimento de dependência.
O facto de as tecnologias poderem viciar prende-se com o mesmo fenómeno ocorrido em qualquer atividade que se pratica compulsivamente. Há uma reação bioquímica que leva a que corpo liberte dopamina, produzindo uma sensação de prazer. Por fim, a geração digital está a adquirir o costume de ler nos tablet e smartphones, onde o padrão de atenção exigido para descodificar e absorver as informações virtualmente é mais disperso. Assim, o uso indiscriminado da tecnologia poderá futuramente conduzir a um acréscimo de crianças com diagnóstico de défice de atenção.
Outras perturbações associadas
Várias perturbações estão ligadas ao uso problemático da Internet e das redes sociais. A ansiedade FOMO – Fear Of Missing Out, que se materializa na necessidade de estar permanentemente a consultar a rede social com medo de não estar a par do que os amigos publicaram. Existe também a Nomofobia, que consiste no medo irracional e intenso de se ver privado do telemóvel. Recentemente os investigadores chamaram também a atenção para a “Depressão Facebook”, patologia que está ligada ao visionamento do mural dos outros e à constante comparação entre aquilo que veem (habitualmente imagens de felicidade e sucesso) e as suas vidas, bastante mais rotineiras e aborrecidas.
Papel dos pais
Os pais têm um importante papel na prevenção deste distúrbio. Dificuldades na imposição de regras e o fato de não estimularem nos mais novos as capacidades de autorregulação constituem aspetos fundamentais. Contudo, muitos pais também usam de modo desregrado as novas tecnologias ou, no extremo oposto, são infoexcluídos (não têm quaisquer conhecimentos acerca da Internet). Nos dois cenários, torna-se difícil colocarem em prática a regra OCLA – “Observar, Controlar, Limitar e Ajudar”, que resume o que se espera dos educadores. Uma estreita observação dos hábitos dos seus filhos, um controle ativo das utilizações potencialmente perigosas, o estabelecimento de limites e regras e procurar ajuda no caso de esta questão começar a ter um impacto negativo no dia-a-dia de uns ou outros.
Finalmente, como dizem os especialistas da Comissão Europeia, a educação é a melhor ferramenta para se conseguir um uso saudável da Internet e das novas tecnologias. Longe da proibição e censura, apostar numa educação plena de valores, desenvolvendo as habilidades para a vida e trabalho, a assertividade e autoestima dos adolescentes são as melhores armas para um futuro longe de perturbações mentais.
A intervenção
O número de casos com necessidade de intervenção vai tender a aumentar, quer pela dificuldade que os jovens têm em admitir o problema, quer pelas características desta faixa etária, uma vez que há a constante tendência para testarem os limites.
O internamento surge habitualmente num momento de crise, por exemplo, quando os pais decidem abruptamente retirar o computador e o telemóvel, ou cortar-lhes o acesso à Internet. A intervenção passa pelo acompanhamento psicológico, paralelamente ao uso de fármacos para controlar a ansiedade. Ao mesmo tempo é de extrema importância que seja feita uma intervenção junto dos pais, já que quando os jovens saem do hospital tendem a assumir o mesmo comportamento, uma vez que não conhecem outro estilo de vida. Cabe aos pais a tarefa de os ajudar a mudar de atitude, ao mesmo tempo que têm de lhes controlar o tempo de utilização das tecnologias.
Sinais de alerta
Os pais deverão manter-se atentos a alguns sinais e sintomas e, caso se verifique mais do que três itens desta lista, é importante procurar a ajuda de um psicólogo ou pedopsiquiatra:
1 – A criança/adolescente começa a apresentar insónias;
2 – Quebra no rendimento escolar;
3 – Oscilações de humor sem motivo aparente;
4 – Isolamento social;
5 – Comportamento apático;
6 – A criança/jovem altera rapidamente o que está a fazer no computador ou desliga-o quando um adulto se aproxima.
João, 17 anos
“Muitas noites não dormi para ficar a jogar ou a teclar com amigos no Facebook e no WhatsApp. Até que as minhas notas baixaram muito e a minha mãe descobriu o que se passa. Cortou a internet em casa e proibiu-me de mexer no computador. Nos primeiros dias senti que ia enlouquecer. Não sabia o que fazer. Ficava com a mão vazia, no ar, como se estivesse a jogar. Era uma espécie de tique (…). Neste momento sinto-me melhor porque tenho ajuda de um psiquiatra e de uma psicóloga. Pouco a pouco vou descobrindo outras maneiras de viver…”
Fonte:
Teresa Paula Marques, psicóloga
Pais & Filhos, número 300, janeiro 2016