Quais as condições necessárias, à partida, para a mulher conseguir amamentar? A questão parece complexa, mas a resposta poderia ser mais simples. “Duas mamas. Aliás chega ter só uma, para se conseguir amamentar”. Graça Gonçalves, pediatra e consultora de lactação na clínica Amamentos, é perentória, mas também destaca: “Ainda que saia pelas maminhas, o leite faz-se na cabeça. A amamentação tem uma componente psicológica muito grande”. Por isso, convém esclarecer todas as ideias (mal) feitas sobre o tema. Eis as principais.
Mamas pequenas demais
Se há questão em que o tamanho não interessa mesmo é esta. O tamanho apenas revela a quantidade de gordura armazenada e a produção de leite depende é do tecido glandular, que existe em quantidade suficiente, seja em peitos pequenos, médios ou grandes. Elsa Paulino, pediatra e consultora de lactação na clínica Amamentos, acrescenta: “A produção de leite depende de outros fatores que não o tamanho da mama, nomeadamente do estímulo, do número de vezes que o bebé mama, da eficácia com que ele mama ou, por exemplo, da mãe pôr o bebé em horário livre à mama sempre que ele mostrar vontade”.
Mamilos planos ou invertidos? Impossível!
Não é verdade que uma mulher que tenha os mamilos planos ou invertidos não posso amamentar. Isabel Loureiro, coordenadora do apoio ao aleitamento materno da IBFAN Portugal (Rede Internacional Pró-alimentação Infantil), explica: “Para mamar, o bebé deve abocanhar grande parte da auréola, abrir bem a boca e trabalhar a língua e o maxilar todo e não pegar apenas no mamilo. Se a mãe tiver o mamilo verdadeiramente invertido, muitas vezes o bebé com a própria sucção, consegue extraí-lo para fora. Se o bebé pegar bem na mama, quase que não precisa do mamilo para nada. O leite sai na mesma”. Graça Gonçalves concorda: “O bebé consegue mamar em qualquer mama! Ele adapta-se à mama da mãe. É preciso é que não lhe dificultem a vida. E nem pensar em usarem aqueles bicos de silicone! São um estorvo para um bebé pequenino e, dessa forma, não fazem estimulação da mama”.
Não consegui no primeiro filho…
Se não conseguir amamentar o seu primeiro bebé, não quer dizer que não conseguirá no segundo ou, até mesmo, só no terceiro. A amamentação é um trabalho conjunto mãe/bebé e não há dois filhos iguais. “Se houver querer (real vontade), informação (saber o que pode esperar e que dificuldades pode encontrar) e apoio (do pai e família), terá todas as possibilidades de correr bem”, reforça Isabel Loureiro. Inclusivamente, em cada nova gravidez, o corpo da mulher aperfeiçoa a sua preparação e “trabalha” ainda mais em pleno. Em cada gravidez, a experiência parte do zero, mas “há mulheres que têm uma primeira experiência negativa tão marcante, que sentem que falharam e que irão ter muitas dificuldades num segundo aleitamento”, reconhece Graça Gonçalves. Para esses casos, aconselha: “Essas mulheres devem logo procurar ajuda, mesmo ainda durante a gravidez. Perceber o que não correu bem e desconstruir a situação. Terá sido a pega? Seria o bebé que tinha um freio curto?...”
O meu leite será suficiente?
A ideia de que a maioria das mulheres não produz leite suficiente é absolutamente errada. Apenas em um por cento dos casos isso acontece. A maioria das mulheres produz leite em abundância, mas há uma série de fatores que podem condicionar temporariamente essa produção. Aqui ficam alguns exemplos: uma cesariana programada; não haver um início precoce do aleitamento na primeira hora após o nascimento; oferecerem ao recém-nascido biberão ou chupeta enquanto a amamentação não está bem estabelecida; o peito não ser estimulado por uma pega adequada (forma como o bebé abocanha a mama da mãe).
Leite fraco? O da minha mãe era…
Isabel Loureiro não tem dúvidas: “Não há leite fraco! O leite materno é uma peça de roupa feita à medida, que assenta perfeitamente ao nosso bebé. É uma comunicação tão perfeita que a todo o momento o corpo da mãe sabe o que produzir na próxima mamada”. E dá exemplos surpreendentes: “Se o meu bebé está constipado, o meu corpo sabe que na próxima mamada o meu leite tem que lançar mais anticorpos ou, quando está muito calor, na próxima mamada o leite tem mais água… De mamada para mamada a composição varia. O leite materno é um alimento vivo, pois está sempre a adaptar-se àquele bebé”. E conta que um estudo recente mostrou que, se habituarmos cada gémeo a uma mama, a composição do leite de cada mama torna-se diferente… E remata: “A natureza é mesmo sábia!”
Dar de mamar dói imenso
Dor e amamentação não são compatíveis! “Pode haver uma dor muito ligeira, um incómodo quando o bebé pega, correspondente à injeção do leite, mas que rapidamente desaparece e que se vai atenuando”, esclarece Graça Gonçalves. E reforça: “Não é normal doer, e muito menos, fazer ferida. Algumas mães ouvem: ‘É até calejar!’. Que horror, não há nada para calejar!” Se há feridas, fissuras ou dores nos mamilos, é sinal que há uma má pega ou uma condição anatómica na boca ou no maxilar do bebé. Isabel Loureiro aconselha: “Qualquer sinal de dor no nosso corpo indica que algo não está bem e a amamentação não é exceção. Pode haver alguma questão fisiológica do bebé, pode ser apenas uma adaptação do bebé à mama, pode ser a pele mais sensível da mãe. Mas é quase sempre algo ultrapassável com a ajuda de um bom técnico”.
Não vou poder comer nada!
Muitas mulheres acham que a amamentação limita muito a sua própria alimentação. “Passa tudo para o leite!”, costuma-se ouvir. Mas o único alimento ingerido pela mãe, que está comprovado cientificamente causar efeito no bebé, são alimentos com lactose. Depois, caso a caso, pode haver bebés mais sensíveis a certas comidas… Isabel Loureiro é muito prática: “Durante as primeiras semanas, a mãe deve fazer a sua alimentação normal. O que comia durante a gravidez, continua a comer. Às mães indianas nunca lhes disse que não podiam comer picante, porque o bebé ia sofrer!” E explica: “O leite é produzido a partir dos elementos que estão no nosso sangue. Quando dizem, ‘não comas grão nem feijão pois produz gazes. Sim, produz gases, mas em nós. O gás não passa pelo sangue para o leite!” E não vale a pena beber muito leite, pensando que assim produz mais leite… Esse é outro mito.
É muito cansativo
De acordo com as recomendações da OMS, o leite artificial deve ser preparado com água fervida e arrefecida a 70º, ao que deve misturar logo o pó muito bem medido e depois arrefecer para dar ao bebé. “Fazer tudo isto às três da manhã?! Isso é que é cansativo!”, considera Isabel Loureiro. “O leite materno está sempre disponível, à temperatura ideal, basta tirar o bebé do berço e pô-lo no peito. Não há nada mais prático”. Além disso, a natureza cuida das mães que amamentam, pois uma das hormonas que se libertam na amamentação, a prolactina, é indutora de sono. Um sono rápido mas profundo e reparador. Elsa Paulino revela um estudo recente: “Mediram o tempo que uma mãe que amamenta e uma que não, demoram até adormecer. Verificou-se que, após amamentar, as mães entram em sono profundo mais rapidamente que as outras mães e têm um sono mais retemperado”.
Torna-se um vício
“Vício é álcool, tabaco e drogas. A mama não é um vício!”, defende Isabel Loureiro e esclarece: “A OMS recomenda que o bebé mame quando quer, mas em Portugal ainda temos muito a ditadura dos intervalos de três em três horas”. Elsa Paulino não podia estar mais de acordo e alerta: “A expectativa que o bebé mama de três em três horas é talvez a maior mentira que se tem contado às mães nos últimos tempos! É um dos mitos que mais tem prejudicado a amamentação”. Isso porque, quando os bebés começam a fazer intervalos menores, as mães pensam logo que o seu leite é fraco ou que não chega e desistem. “Ninguém lhes explica que os bebés têm um ritmo diferente conforme a fase do dia. De manhã, dormem muito e fazem intervalos maiores entre as mamadas. À medida que o dia caminha para o fim, principalmente entre as 21 horas e as duas/três da manha, os bebés mamam, se calhar, tantas vezes como mamaram nas restantes 24 horas. E isso é típico das primeiras noites”. E depois surge o mito do “estão a acostumá-lo mal”. Isabel Loureiro defende: “Amamentá-los em livre demanda não é habituá-los mal. Estamos a satisfazer as suas necessidades. E é só nos primeiros tempos que são mais exigentes. Depois passa. E depois vamos sentir saudades."
Fonte:
Ana Sofia Rodrigues
Pais & Filhos, número 300, janeiro 2016
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