Em Portugal, cerca de 36,5 por cento dos partos vaginais são instrumentados. Ou seja, a cada 100 bebés que nascem por parto vaginal, 36 precisam de fórceps ou ventosas. Segundo o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), o parto instrumentado está indicado em três situações. Primeiro, quando o período expulsivo se prolonga demasiado (numa primeira gravidez, falta de progressão durante duas horas se não houve anestesia, ou três horas se houve anestesia loco-regional; quando já houve outras gravidezes, uma hora sem anestesia ou duas com). Segundo, quando há suspeita de sofrimento fetal. Terceiro, quando há uma incapacidade por parte da mãe em colaborar na expulsão de forma segura ou eficaz. No entanto, alerta a médica Elsa Milheiras, especialista em ginecologia e obstetrícia, “ a própria ACOG reconhece que não existe uma indicação absoluta, e que a cesariana também é uma operação nestas situações clínicas. Cabe ao médico, perante o binómio grávida/feto que tem perante si, tomar a melhor decisão para cada caso”.
No fundo, a utilização de instrumentos não é uma inevitabilidade. Perante as dificuldades que se lhe apresentam, o obstetra terá de colocar nos pratos da balança o impacto que um parto instrumentado terá na mãe e no bebé, face ao impacto de optar por uma cesariana ou, até, de aguardar mais um pouco. “Se a indicação é um segundo estádio do trabalho prolongado, sem quaisquer sinais de sofrimento fetal, podemos ter uma atitude expectante durante mais algumas horas”, refere Elsa Milheiras. “Mas, caso nada volte a acontecer nesse período extra, voltamos a ter de tomar a decisão.”
Já se existe uma suspeita de sofrimento fetal ou uma causa materna na base da indicação para um parto instrumentado, “a alternativa é a cesariana”, explica a obstetra. “A cesariana é uma cirurgia, com todas as complicações inerentes aos atos cirúrgicos, e também deixa uma cicatriz que irá funcionar como um ponto de menor resistência no músculo uterino. E essa menor resistência poderá condicionar o desfecho de gravidezes seguintes.” O que fazer, então? “Tomar a decisão caso a caso”, continua a obstetra. “Devemos equacionar as preferências da grávida (devidamente esclarecida!), a destreza do médico no uso de fórceps/ventosas, e tomar a melhor decisão para aquele caso específico.”
Relativamente a esta questão de destreza, Elsa Milheiras conta o seu caso pessoal: “Em bebés saudáveis com mais de 34 semanas, e em que se prevê que a tração necessária seja moderada utilizo preferencialmente a ventosa. Os efeitos para o recém-nascido são mínimos e os traumatismos de canal de parto materno são muito menores. As ventosas atuais, de tipo KIWI, permitem controlar a pressão exercida sobre o feto, se tem menos de 34 semanas...) ou se há necessidade de maior tração, utilizo fórceps de tração. Mas se há necessidade de uma grande rotação da cabeça, opto por cesariana. Porque considero que não domino o fórceps de Kielland ou Kjelland o suficiente para o aplicar com segurança e tranquilidade com que aplico os outros instrumentos”.
Os riscos
No uso de fórceps, as complicações mais frequentes são lacerações do canal de parto, na mãe e o eritema e as equimoses da face, no bebé. Tanto as lesões da bexiga e do reto – na mãe -, como os cefalo-hematomas, as hemorragias cerebrais ou subdurais, as paralisias faciais transitórias e as fraturas do crânio – no bebé -, são raras.
No uso de ventosas, os riscos para a mãe são de algumas lacerações do canal de parto, semelhantes às que podem ocorrer num parto não instrumentado. No recém-nascido, quase todos apresentam efeitos visíveis no escalpe – uma marca circular da campânula e algumas lacerações, que, embora sejam na maioria transitórios e sem importância, causam alguma ansiedade nos pais. Complicações como cefalo-hematoma, hematoma subaponevrótico e hemorragias da retina, estima-se que rondem os cinco por cento dos partos com ventosa. As complicações mais graves são raras.
A obstetra Elsa Milheiras refere que “quando respeitamos as condições necessárias para aplicar os instrumentos (dilatação completa, encravamento da cabeça e conhecimento da sua posição, bolsa de águas rota, compatibilidade entre as dimensões da cabeça fetal e da bacia materna e anestesia materna adequada, no caso do fórceps; e tudo isto e ainda feto com mais de 34 semanas e ausência de doenças do feto que alterem a coagulação sanguínea ou a qualidade do tecido ósseo, no caso da ventosa), na maioria dos casos temos apenas lacerações do canal de parto, que são corrigíveis, e equimoses/eritema da face do bebé, que são transitórios, para os fórceps, e cefalo-hematomas transitórios, para a ventosa”.
Portanto, independentemente dos cenários de terror que possa ter ouvido sobre “ferros e ventosas”, é importante que a grávida confie no médico e perceba que, no momento, aquela é a melhor opção para abreviar o parto e prevenir complicações para si e para o seu bebé. Não tarda nada, com o bebé nos braços, o parto instrumentado será recordado com a naturalidade de qualquer outro.
Os instrumentos
Existem, três tipos de instrumentos, esclarece a obstetra Elsa Milheiras: fórceps, ventosa e espátulas.
Os fórceps são um instrumento metálico formado por dois braços articulados em forma de colher. Cada braço tem um cabo, onde o médico agarra, e uma colher que se adapta à cabeça do feto. Há fórceps de tração, que apenas permitem puxar o bebé, e fórceps de uma rotação, que também permitem rodar a cabeça, de modo a adotar uma posição mais favorável à descida ao longo do canal de parto.
A ventosa é uma espécie de campânula de material moldável, normalmente de silicone (nas ventosas mais antigas as campânulas eram de metal), ligada a um aparelho que produz vácuo. Coloca-se a campânula sobre a cabeça do feto e fixa-se aplicando o vácuo. Depois, o médico puxa por um manípulo localizado no fundo do cabo que sai da campânula e extrai o bebé.
As espátulas são instrumentos metálicos semelhantes aos fórceps, mas as suas duas partes constituintes não se articulam. Não permitem rotação e fazem apenas uma tração suave, pelo que usam-se sobretudo para abreviar partos dos bebés prematuros.
Fonte:
Rosa Cordeiro
Pais & Filhos, número 298, novembro 2015